quarta-feira, 26 de maio de 2010

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Únicas testemunhas do bárbaro assassínio de meu pai - a Bonita morreu há ano e meio, o Piloto morreu hoje. Era nas suas retinas a nossa casa.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

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Absolutamente diferente, absolutamente maravilhoso, absolutamente inegável, absolutamente ímpar, absolutamente improvável. Estou muito desiludíssimo.

sábado, 22 de maio de 2010

CONVERSAS

Há muitos anos, li um antigo provérbio de que desconheço a origem e de que logo esqueci os pormenores. De qualquer modo, guardo na memória o essencial do que aconselhava: de entre os seus pretendentes, uma rapariga deve escolher o melhor conversador; desse modo, estará em boa companhia quando não houver mais nada do que palavras. Não sei que mulheres (e homens...) poderiam, na Antiguidade, ter essa liberdade de escolha; é provável que o provérbio fizesse parte dos parlapiés paternos e raramente fosse tido em conta. À parte estas dúvidas, sempre associei aquele mais nada ao desinteresse sexual.

Mas, embora eu seja mau conversador, nunca nada disto me preocupou. Por um lado, porque fui deixando de prestar atenção à maior parte dos problemas antes de eles o serem; e, por outro, porque também fui percebendo que, muitas vezes, os problemas são bem mais manuseáveis quando chegam à casa certa. Acrescente-se que se vai tornando cada vez mais reduzida a probabilidade de envelhecer acompanhado – e conclua-se que, embora saiba da invenção do Viagra e quejandos, não me vale a pena dedicar ao tema um minuto do meu tempo.

E é neste oceano de sossego que me colhem as últimas notícias, segundo as quais aqueles medicamentos miraculosos estão associados a uma tendência bastante acrescida de surdez. Sendo assim, está decidido: vou transformar em improbabilidade a probablidade reduzida de envelhecer acompanhado – porque, enfim, prefiro viver de amores platónicos e continuar a ouvir conversas, ainda que sejam de outros. Quanto aos que sabem conversar e não querem prescindir de amores a sério, aconselhá-los-ia a aprenderem a ler nos lábios. E a habituarem-se aos discursos sem aplauso.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

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Cansa um certo folclore antipapal, desconjuntado, desargumentado, diarreico. Se tão grandes erros comete ou cometeu, o homem agradece o ruído.

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Tanto climatérico e tão pouco climático...

terça-feira, 18 de maio de 2010

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Oiço dizer: «Isso é um problema de semântica.» Só?

MANHÃ AMARGA


Sete da manhã.  Cada sorvo de ar faz-me um rasgão do peito ao pescoço, do peito ao braço esquerdo. Falta-me o ar.
O Barbas salta da cama assim que se apercebe dos meus olhos abertos.
– Ainda falta meia hora, Barbas.
Mas não deslate enquanto o não passeio. Levanto-me, preparo-me, levo-o como posso.
A seguir, lentalentamente, dirijo-me ao hospital.
Triagem de Manchester.
Uma fita vermelha à volta do braço.
Emergência.
Duas horas de espera, o meu nome soa, associado a uma sala onde um médico escrevinha.
– Então diga lá.
E lá lhe digo.
Nunca chega a levantar os olhos, nem quando se levanta para me auscultar.
A seguir, volta a sentar-se e atende um telefonema. Não pode ir ao futebol, é uma pena mas está de banco.
Quando desliga tento estreitar laços, é mais outro que gosta da bola:
– Vamos lá ver se é desta que o Benfica…
– Passe aqui ao lado e entregue esta folha.
– O que é?
Não me ouve. Outro telefonema.
Ali ao lado, tiram-me sangue, fazem-me um ECG e encaminham-me para outra sala, onde espero durante uma hora que me chamem para a radiografia torácica.
As dores são as mesmas.
Radiografia despachada, hora e meia na sala de espera.
Sou chamado à primeira sala, onde reencontro o médico.
– Não é nada – sintetiza, sempre cabisbaixo, enquanto rabisca qualquer coisa. – Entregue isto aqui na sala da esquerda.
– O que é?
– Vai acalmá-lo.
Na sala da esquerda recebo um líquido num copo de plástico: «Tome isto.»
– O que é?
– Amarga um pouco.
– Sim, mas o que é?
Não há resposta, o meu interlocutor é chamado à sala ao lado da sala ao lado.
Antes de sair, pago.
Deito o copo fora, com todo o seu conteúdo, no primeiro caixote do lixo que encontro lentalentamente dirijo-me para casa.
Estou calmo.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

DESGRAÇA

mal chegados e bem armados___eles são mais altos mais gordos mais fortes___enfim: tombalobos_____desancam a estalo e pontapé o homem rendido e passam-lhe um sermão que não consigo ouvir da minha varanda
amigos___grito eu___o que é que o homem fez para estarem a bater-lhe assim?

dois deles olham para cima
___um manda-me calar e não interferir na ordem pública enquanto outro se diverte a murro nas costas do alvo
o homem rendido deixa-se cair no chão e enrola-se debaixo dos pontapés
lembro-me de chamar a polícia
___olhem que eu chamo a...

só então percebo que a polícia são eles e que se o homem não estava a oferecer resistência deveria estar-lhes proibido agredirem-no assim
é a polícia que temos
_____a fortuna me dê nunca lhes cair em graça

sábado, 15 de maio de 2010

SE AO MENOS ME TIVESSEM DADO MÚSICA...


Há trinta e tal anos já havia, pelo menos na Escola Preparatória Luís António Verney, o que muitos dizem ser um fenómeno recente só por lhe terem posto etiqueta: bullying. E era por isso que alguns de nós estavámos na aula bem antes do toque de entrada; e também era por isso que, mal dava o toque de saída, os mesmos batíamos asas por corredores menos estreitos e pousávamos nos recreios mais protegidos. Mas ginásticas à parte, nem sempre bem sucedidas, para me escapulir a murros, pontapés, cuspidelas e navalhadas, o que melhor recordo hoje é a minha ausência das manhãs desportivas, proibidas aos menos dotados, e essa outra árdua aprendizagem do desvio que me proporcionaram as aulas de Educação Musical.
Nestas últimas, e invariavelmente, dois ou três cowboys envolviam-se com outros tantos índios numa guerra de cadeiras, calhaus, canetas e cadernos. Tudo isto sob um inferno de gritos e utilizando os civis como escudos. A história foi-se repetindo nos dois anos do ciclo preparatório e com professoras diferentes, ambas velhinhas, que se esforçavam por conter a violência atrás da secretária ou do empoeirado orgãozinho de foles, visivelmente assustadas e incapazes para ameaças.
Não sei que mal teria vindo ao mundo se, em vez daquelas velhinhas, me tivesse calhado a moça de Mirandela que há dias se despiu para a Playboy e que, por isso, já não dá música aos miúdos. Mas desconfio que os guerreiros teriam fumado o cachimbo da paz. No que me toca, teria continuado a espreitar a revista como sempre espreitei. E talvez tivesse interiorizado melhor o encaixe das quintas justas. No menor dos intervalos, a minha guitarra seria, hoje, mais feliz.

terça-feira, 11 de maio de 2010

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Para ser simpático, nada transparente. Para ser directo, agiota. E, para que não restem dúvidas, ladrão. Um certo banco.

quadra 23

Se tanto amo-te engasgado
ainda me não matou
é porque viver de lado
assenta bem no que sou.

sábado, 8 de maio de 2010

sexta-feira, 7 de maio de 2010

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Estou exausto destes coitados coitadinhos cuja vida se resume a aturem-me que eu não pedi para nascer. E daqueles que os têm ajudado a resumi-la assim.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

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Dos juízes que injustiçam e dos advogados que sugam, dos políticos que o são e dos médicos que não, desta doutíssima cáfila que somos.

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Deste meu amar à século XIX, que sempre escondi dos outros mas que só agora tenho de esconder de mim.

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Um lisboeta não diz tenho um amigo. Isso não lhe chega na voragem das horas. Ele diz tenho um amigo meu.