segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

I beg your pardon?

Luís Jardim (1947-2013)


Eu teria sabido, no hospital
onde vieste morrer, perto de mim,
como ia Deus, como ias tu, que tal
a vida te embalava antes do fim,
se fumavas como antes, se ainda andavas
com a pressa de andar, se mantiveras
aquele riso aberto entre palavras
que fez parte das minhas primaveras.

Foi de ti que entendi, eu te diria,
como é capricho o encontro da verdade
e fútil a ânsia em pontuar os i's.
Foi de ti que aprendi, criança um dia,
que é a caminho sempre que o homem há-de
ser o caminho que a criança quis.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

SENIORES

Nos panfletos de candidatura do PS à Câmara de Lisboa, António Costa e os seus mostram ignorar que não existem palavras acentuadas antes da antepenúltima sílaba. Como ninguém em toda a campanha se atreveu a chamar-lhes a atenção, fica aqui registado, neste cantinho que decerto nenhum deles descobrirá, que não se escreve "Séniores" mas sim SENIORES, pela mesma razão que não se deve pronunciar "nior's" mas sim "Seniores". Assim se referiam em latim os "mais velhos" e assim continuamos nós a referi-los, meus SENHORES. Perdão, "Sénhores".

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

palavra exacta

na minha busca da palavra exacta
costumo trocar os olhos com que olho as mãos
e há na terra que arranho uma outra memória
a fazer de mim um dos outros que sou

como folha ressequida que me guardasse dentro
encontro-a então     a palavra exacta
escondida e sólida sob a palavra momento
desfeita e pó sobre a palavra nada

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

mais putas que as putas

Na tropa também se aprendia um pouquinho, e como eu tinha boa memória ainda vou por aí cheio de conhecimento que não me faz falta nenhuma. Sei de cor todas as peripécias da ordem unida, com e sem arma, os postos, a facilidade em fazer e fingir serviços desnecessários, os caminhos que levam à cerveja.

Também sei que "colegas são as putas" e essa é das informações mais hipócritas que me deram - pois colegas são 'apenas' todos aqueles que escolhem estar juntos. Ora, eu na verdade não tinha escolhido juntar-me a eles; mas todos aqueles que faziam carreira ou eram voluntários - esses tinham feito essa escolha. Assim como muitas putas.

Mas à parte o menosprezo que dedicavam à palavra "colega", tinham razão numa coisa: também são "camaradas", porque não só escolheram estar juntos como confiam uns nos outros o suficiente para dormirem juntos. Mais putas que as putas.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

11. Long-seller



"Na paz do nosso jardim foram crescendo ervas daninhas. Com palavras as regámos e fizemos crescer, com palavras cortámos todas as flores para que elas pudessem crescer mais ainda."

Está a fazer quatro anos e disseram-me há dias na Barata que, apesar de se vender pouco, é dos que se vendem sempre.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

cadáveres da vida

Agora, muito contra o meu costume,
ando com apetite para a noite,
que, volta a volta, toda se resume
na ânsia de uma aurora que me acoite.

Busco, de olhos abertos ao negrume,
outra manhã que os feche; o adeus foi-te
fácil, mas por mais que ele me desarrume
tem sido também ele o meu açoite.

Como vês, muito embora sempre o esconda,
vou lançando sementes de regresso
à terra sempre fértil da partida.

Como vês, é de estudo a minha ronda
e sobrevoando a morte ainda me interesso
em dissecar cadáveres da vida.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

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Conheci Serrat no outono de 1990 e este é um dos muitos poemas que ele foi buscar aos meus cadernos em branco.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

voo

Tiraram-me quase tudo,
e se acaso estrebuchei
puseram ar carrancudo
e disseram que era a lei.

Mas o pior foi agora e
eu tão de bolso vazio:
meteram-me na gaiola e
tentaram cortar-me o pio.

Não sabiam os malditos
que as minhas asas são dentro
 e que este voo é um grito
na garganta do silêncio.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

5. Dia de anos - João de Deus

Com que então caiu na asneira
De fazer na quinta-feira
Vinte e seis anos! Que tolo!
Ainda se os desfizesse…
Mas fazê-los não parece
De quem tem muito miolo!
 
Não sei quem foi que me disse
Que fez  a mesma tolice
Aqui o ano passado…
Agora o que vem, aposto,
Como lhe tomou o gosto,
Que faz o mesmo? Coitado!
 
Não faça tal; porque os anos
Que nos trazem? Desenganos
Que fazem a gente velho:
Faça outra coisa; que em suma
Não fazer coisa nenhuma,
Também lhe não aconselho.
 
Mas anos, não caia nessa!
Olhe que a gente começa
Às vezes por brincadeira,
Mas depois se se habitua,
Já não tem vontade sua,
E fá-los, queira ou não queira!
 
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Dei com esta singela e deliciosa brincadeira de João de Deus (1830-1896) numa pequena selecta literária, tinha eu quinze anos; e ainda hoje é uma das minhas preferidas deste poeta algarvio que, com um sentido de humor único, critica um acontecimento inevitável como se fosse um acto a evitar por esse bicho que, tantas vezes distraído, se julga dono do tempo e do mundo.
 
Escusado será dizer que a aproveitei inúmeras vezes para com, esta ou aquela alteração nas primeira e segunda estrofes, e com os devidos acertos métricos, presentear este ou aquele aniversariante. Por exemplo: "Com que então caiu na asneira / De fazer segunda-feira / Quarenta e quatro anos! Tola! / Ainda se os desfizesse... / Mas fazê-los não parece / De quem bate bem da bola! // Não sei quem foi que me disse / Que fez a mesma tolice / Aqui o ano passado... / Agora o que vem, aposto, / Como lhe tomou o gosto, / Que faz o mesmo? Cuidado! ............"
 
 
 

domingo, 1 de setembro de 2013

Ai Deus, que eu já piropei!

Gostaria muito de me unir ao esforço de Elsa Almeida e Adriana Lopera, do Bloco de Esquerda, que ontem de manhã se deslocaram ao Liceu Camões, indignadas com o piropo. Para tal, só preciso que elas me expliquem bem o que é um piropo.

É que vou ao dicionário e vejo estas definições: palavra ou frase lisonjeira que normalmente se dirige a uma pessoa bonita; galanteio; madrigal. Duas delas não me parecem mal, deve ser da minha criminosa insensibilidade; mas a última, essa faz-me levar as mãos à cabeça. Ai, Deus, que eu já piropei! Eu que, por timidez e medo à estalada, pensava não ter tendência para esse tipo de crime, confesso que já compus e ainda vou compondo os meus madrigais. Pior ainda, repetidamente às mesmas mulheres e, às vezes, até a mulheres para quem sou um estranho! Ai, Deus que eu já cometi "violência de género". Ai Deus, que eu já assediei.

Já agora, também gostaria que elas me explicassem se os piropos são só de homem para mulher, como sempre referem, ou se também há piropos de mulher para homem, como a primeira definição de piropo parece contemplar. E se, nesse caso, têm igual gravidade. Aquela mulheraça míope ou delirante que há dias me confundiu por bonito e me chamou de pão - estava a cometer o crime do piropo? Ai, senti-me tão assediado... tão assediado por estes pensamentos criminosos de, escapando por fim à mania do madrigal, lhe dizer em bom português que ela era boa como o milho...

Na impossibilidade de ter assistido ao debate desta manhã no Liceu Camões, explicai-me, Elsa e Adriana, o que é para vós um piropo. É que eu quero muito acabar com o piropo. Mas, claro, só se for o vosso.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

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"Fazer amor"? Sempre achei ridícula essa expressão, decalque do inglês. Ama-se e ponto. Os espanhóis evitam muitas vezes o anglicismo dizendo simplesmente "amar" - e eu nunca tive dificuldade, pelo contexto em que a palavra é utilizada, em perceber como.

sábado, 24 de agosto de 2013

o mais impotente dos meus modos

as mãos foram difíceis
quando as procurei como parecem
e mais difíceis ainda
porque só as encontrei onde me perdi

mas pior tem sido agora
este rasgar de horas nos teus olhos
e descobrir que tu és ainda
o mais impotente dos meus modos

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

não saiba a minha mãe (1988)

Anoiteceu.
O vento marulheiro
baloiça a chuva
e eu deixo-me embalar
no sussurro da velha árvore.
Segredei-lhe todo o dia
tantas coisas tão minhas...
e sob ela sempre
poalhou apenas.
(Não vão dizer à minha mãe,
que não me quer constipado).

A Maria há pouco
deu-me as boas noites
e chamou-me louco...
Eu ri muito
como se estivesse louco
e disse-lhe ao ouvido
um segredo nosso.
A Maria... moça amiga.
Maria, não digas à minha mãe
que me chamaste louco.

Agora saboreio
um cigarro apagado
(a árvore amiga,
parece que acinte,
sempre que o acendo
sempre que o apaga)
e escrevo estas coisas
num caderno molhado.
Não digam à minha mãe
que eu escrevo versos.

Enquanto isto vou pensando
que talvez... que talvez...
Não tenho a certeza,
mas neste resto de vida
tudo há-de correr
às mil maravilhas
e amanhã
talvez nem seja
talvez de novo!
Mas, Maria, não digas à minha mãe,
que não me quer indeciso.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

4. Amor escreve-se sem 'h' - Enrique Jardiel Poncela

autor: E. Jardiel Poncela
págs.: 336
ed.: Editorial Século
trad.; Manuel Neves
1945 (1928)
Em guerra pelo sempre tão volátil e variado interesse de Lady Sylvia Brums, Zambombo usa todos os estratagemas para a impressionar, incluindo o da simulação de um suicídio que se transforma quase em suicídio. E perante um vaivém constante contra a extinção do desejo, o leitor descobre, se ainda o não sabia, que se ama de igual modo em Madrid, Paris, Roterdão, Londres. Talvez, até, no recato de uma ilha deserta.

Enrique Jardiel Poncela morreu esquecido. Dramaturgo espanhol em pleno franquismo e com um gosto pelo absurdo em contracorrente, põe nesta romance a medida justa daquilo em que hoje se põe excesso: autorreferenciação, jogo de sons e conceitos, provocação, surpresa... Injusto é o seu humor, que me fez gargalhar mais do que nestes dias devia.

A obra em papel - encontrei-a num alfarrábio perto de mim e custou-me 50 cêntimos. Em formato digital e no castelhano original, talvez a alguns custe menos: como o autor é morto há tanto que a obra pertence a todos, encontra-se na rede e gratuito numa caterva de páginas.





sexta-feira, 2 de agosto de 2013

quadra 64

Nunca sei quando começa,
nunca ao certo quando acaba,
mas é séria esta promessa
que se chama madrugada.

terça-feira, 23 de julho de 2013

dois amigos (1984)

 
Tenciono telefonar-te
como quem já nada quer
e entre palavras contar-te
histórias de malmequer;
ensinar-te o estado da arte
dos piropos, se puder,
e antes que a conversa farte
saber da tua mulher;
e pedir perdão talvez,
se a tua voz mo pedir;
e confessar que perdi
noites e sonhos na vez
em que por muito sentir
me senti nela sem ti.
 

sexta-feira, 19 de julho de 2013

10. a decadência dos olfactos - a opinião de Raquel Gonçalves-Maia*

Que história estranha, ficção sim, e realidade muita, desmedida... Laivos de odor orwelliano agridem os nossos sentidos página após página, abalroando as nossas defesas mais tenazes. Decadência?

Estranha a história, tão problemática e tão pura. Servida por uma linguagem requintada, o estilo do discurso alinha o adjectivo e a metáfora, enriquece a imagem, dilata o vulto, premeia o autor. O volteio das personagens, nem sempre fácil de seguir, obriga-nos ao recurso da espiral. Já assim fora em Um Pinguim na Garagem.

Albanta será perfeita. Terra sem nós... Os fantasmas desenhados ensombram, ofuscam, tão vivos se tornam pelo caminho seguido pelo escritor. Aprovação de excelso.

Sim, é um livro - um bem de consumo, pleno no nome. Um romance de inquietações de espírito e agrados de leitura. Luís Caminha afirma-se como um dos grandes autores de língua portuguesa.

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* Raquel Gonçalves-Maia, cientista, professora universitária e escritora. Os seus últimos livros de divulgação científica são fascinantes e alguns deles podem encontrar-se, por exemplo, aqui ou aqui. Também escreve ficção, com várias e belas obras publicadas.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

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A tramóia é arte maior, prenúncio de sucesso na vida. Oficialize-se, promova-se, ensine-se, expanda-se. Não se esconda a cábula, ela tem de ser avaliada; não se mascare a substância dopante, premeie-se antes o mérito do seu utilizador; elogie-se publicamente aquele que soube meter uma cunha. Enfim, sejamos todos iguais.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

terça-feira, 9 de julho de 2013

Decisões

Em jovem fui levado a acreditar que o acirrado e acrítico apego às tradições era maldade da direita. Mas hoje sei que o catálogo da maldade não tem alas. Para mim, as decisões de um homem têm de assentar em três princípios, cuja importância vem por esta ordem: 1) o princípio da incomensurabilidade: uma vida não vale menos do que outra; 2) o princípio da sobrevivência: só nos é permitido atentar contra outro ser vivo em caso de extrema necessidade (de alimentação ou de defesa); 3) e o princípio da distância: se tivermos de atentar contra um ser vivo, devemos optar pelo que nos for geneticamente mais distante.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

pirata

Suspirando um sorriso entre
papéis, sorriso guardado e
fundo, sorriso de sempre,
mando-te aqui este recado e
espero um sorriso de volta:
pirata deu hoje à costa.

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 Adeus, António, nunca fui muito à bola contigo...



terça-feira, 2 de julho de 2013

9. a decadência dos olfactos - a opinião de Carla Ribeiro

in http://asleiturasdocorvo.blogspot.pt/2012/05/decadencia-dos-olfactos-luis-caminha.HTML

Albanta é uma cidade perfeita - ou assim se define. Ali, onde não há excesso de população e a vida quotidiana se define pelos serviços prestados à cidade, e respectivas recompensas ou perdas associadas,  a existência tem uma data de terminação. Talvez seja por isso, por ser insuportável a ideia de viver com data de morte marcada, que alguns querem deixar para trás a perfeição de Albanta. O problema é que a cidade não está disposta a perder os seus...
Há muito de bom para dizer sobre este livro. Desde a forma como a história se desvela, aos poucos, na sua verdadeira natureza, pela voz de um narrador que, sem o parecer, no início, é também figura principal da narrativa, à caracterização gradual de um sistema tão diferente, mas que ultrapassa a estranheza e consegue parecer quase familiar, passando pela beleza de uma escrita quase poética, por vezes, introspectiva, sempre envolvente na forma como se entranha no pensamento do leitor, todas estas características fazem parte do que define uma obra breve, mas impressionante em todos os aspectos.
Das três personagens que se destacam, é talvez o narrador o que mais chama a atenção, tanto pela multiplicidade dos seus papéis - de fugitivo, de conspirador, de condenado - como pelo que, aos poucos, se revela dos elementos que o caracterizam. Elementos que se conjugam para uma fase final particularmente intensa, em que é quase impossível não sentir empatia ante a muito própria, mas de emotividade universal, exposição das circunstâncias do homem que aguarda perante a morte. É nesse momento que a personalidade de Viktor se expõe na sua totalidade, dando forma aos momentos de máximo impacto emocional, impacto este que é também aumentado pela forma como os segredos das outras personagens - e da sua ligação às circunstâncias do narrador - são finalmente revelados.
Albanta e o seu sistema de controlo demográfico são fascinantes e muito bem construídos, com os vastos detalhes que, aos poucos, são apresentados. Mas, mais que a história de um sistema aparentemente perfeito, mas ditado por imposições e regras estritas, marca, neste livro, a imensa reflexão sobre escolhas e arrependimentos, sobre sonhos e desilusões e, principalmente, sobre traição e morte, que transparece da história de Viktor e de Vilna. Das expectativas frustradas e dos ciclos de fuga e regresso, a empatia sentida para com as personagens liga-se a um lado introspectivo nas dúvidas de cada um deles, mas também a uma interessante ponderação sobre as possibilidades levantadas pelo complexo sistema que é Albanta: quanto seria aceitável perder em nome da suposta perfeição?
Uma história breve, mas intensa e complexa, quer no sistema que apresenta, quer nos pensamentos e emoções das personagens que o habitam, A Decadência dos Olfactos marca tanto pelo cenário que apresenta, como pelos rumos da história, como ainda pela beleza de um estilo de escrita muito próprio e pela conjugação perfeita de empatia e reflexão. A impressão global não podia ser melhor. Maravilhoso.

sábado, 29 de junho de 2013

teu

por que hei-de fechar os olhos
ao teu corpo?, esquecer as curvas
que nas curvas pressinto do teu abraço?,
por que hei-de fechar o sonho
à língua que prometes na minha boca?,
por que hei-de ser deus se quero morrer homem?,
por que hei-de ser mais que homem
se quero morrer teu?

quinta-feira, 27 de junho de 2013

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Estou calmo. Apenas me falta que todo o meu futuro fosse preparar-te o café da manhã, enquanto estendesses o sono de uma noite mal dormida.

terça-feira, 18 de junho de 2013

rol do inesquecimento (2007)

Ontem com dois e três morangulácidos.
Alguns mortos por sob os vaitivéns.
Esguelhas quase para olhares áridos.
E obviamente os canibais também.

Papéis de capa com espadartes pálidos.
Desquandos chatos como artistas sem.
Caligrafias para poetas rápidos.
A cama dosselada e os outros em.

Pestanas longas vacas barrosãs.
Bencatel massamá lisboa oeiras.
E claramente todas as manhãs.

Alfa beta pi ómega agá de homem.
Cozido assado cru de outras maneiras.
Não necessariamente por esta ordem.

constante luto (2005)

Os cães que vivem apesar de tudo,
como aqueles que sobram do que fomos,
contam-me as noites em constante luto,
aos pés da minha cama e do meu sono.

Alheios, quase, a avanços e recuos,
bocejam, de olhos vagos, este outono,
o sol, a chuva, aqueles passos surdos,
desde que tu partiste e somos outros.

E adormeço depois como este outono,
o sol, a chuva, os nossos passos surdos,
os cães que vivem apesar de tudo.

Como aqueles que sobram do que fomos.
Aos pés da minha cama e do meu sono.
Dias sem dias. Em constante luto.

a nossa viagem já não sai do cais (2004)

Qual a lasciva chama que, ofegante,
falece na matéria consumida,
cravei de tuas unhas cada instante,
esmiuçaste, séria, a minha vida.

Cavalgámos o tempo a solta rédea
mas sempre fomos os outrora-amantes;
a nudez da alvorada embala a réstia
de olvido, agora, sob os corpos de antes.

E embora estejam de feição o vento
e de partida quase as caravelas,
há neste oceano largo nós a mais.

Nunca fomos bastantes para o invento,
nunca importantes para a descoberta.
A nossa viagem já não sai do cais.

em busca do soneto (2004)

Abríramos assim o apetite
para estes e mais doze que prosseguem!
Mas eu estou surdo deste que sorriste
e habito a espuma cega de um outro éden.

Soubera as palavras que se perdem
nas curvas do teu colo, minha circe!
Caídas e maduras, apodrecem
destes versos que escrevo e não pediste.

Repousa o nosso amplexo neste coro
mínimo para repetir sem medo
as vogais lentas que pareces rindo.

Onde pusemos nós a chave de ouro?
Ah! eu quisera só mais um soneto
que de aqui me guardasse enquanto minto.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

noventa palavras e um soneto (2004)

No tempo das princesas eras essa
de caracóis compridos e sardinhas
em cujo colo adormecia a pressa
de que todas as horas fossem minhas.

A primavera, então, de quem começa,
floria no teu corpo às adivinhas;
e eu, que nunca gostei de quem mo impeça,
exauria o silêncio que me tinhas.

Mas chegámos enfim a este dia
de passear a avidez do meu esqueleto
com a nossa morte apenas por recinto

- porque ainda espero, à sombra fugidia
de noventa palavras e um soneto
afogados em pena e vinho tinto.

domingo, 16 de junho de 2013

ainda menos do que antes (2003)

Imagino-te à espera do comboio
que há-de levar-te em viagens para longe
do meu, do nosso, dos amigos, de onde
o dia é longo e o amor foi sóbrio.

De meu já nada tenho que te conte
para lá deste incontornável ódio;
mas enquanto não chega esse comboio
que há-de levar-te em viagens para longe
escuta as lágrimas da nossa arte:

espelhado na urina que deixaste
o amor dorme sob soalhos flutuantes;
ícaro antes da cera derretida
de asas se põe e chama-te querida;
e deus existe ainda menos que antes.

sábado, 15 de junho de 2013

vermelho sem remendo (2004)

Pergunto-me que amor esse em setembro
precipitou no mundo aquele em inverno;
que estro rasgado nos teus olhos ternos
de choro fustigou o nosso invento;

que dor atroz, que desconsolo eterno,
que infinita paleta de cinzentos,
que imprevisto febril cristal de tempo
conciliou a espera e o dia incerto...

Quando no teu sorriso brotam marços,
agora que pereço de cansaços,
pergunto-me por ti mas não compreendo.

E o meu olhar sob pálpebras fechadas,
buscando em terra que já foi regada,
inala este vermelho sem remendo.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

estes que não sabem ser felizes (2003)

Mas que me dizes tu deste siroco
noite-e-dias ao largo do imprevisto,
ininterrupto e farto, desatino
de sob a nossa pele em baile sem rosto?

Mas que me dizes tu de sermos outro
agora que o deserto em nosso rito
aconchega o cadáver do perigo
e perfuma de seco o nosso gosto?

Sombra da tarde, que me dizes tu
se inverna e chove nos meus olhos claros
de negras nuvens e silêncio cru?

Ah! que me dizes tu do que lhes dizes,
às idas pétalas dos meus cansaços,
sobre estes que não sabem ser felizes?

quinta-feira, 13 de junho de 2013

inventário do fim (2003)

Os que pairam à volta do meu corpo
moribundo; os que esperam pacientes
pela hora do fracasso; este amor torto
que guardo mesmo quando tu nos mentes;
as conchas que procuro; o ar que mordo
febrilmente; o teu riso de contente
que estrelas espalha pelo mundo todo;
o fim certo sem espaço em que me invente;

o luís frio, a chuva repetida
em noites que maturam sem destino;
a casa abandonada; em tua lista
o el-tê-éme em vez do amorigo;
a inquietude; a dor; e era uma vez
na paz do meu abraço o adeus dos três.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

como quem desiste (2003)

Podes trocar a boca pelos lábios
em esperas e procuras desusadas;
correr-me o corpo como o sol em maio
sobre a terra fecunda e as nossas casas;

mordiscar-me na pele os pontos sábios
construídos na paz de outras moradas;
e esgotar na espiral desse trabalho
o princípio de tudo o que se acaba;

para depois, já como quem desiste,
rasgar-me a carne, lacerar-me em tiras,
espalhar-me de sangue pelas ruas
com o sorriso final dos sempre tristes;

e, preparada já para a partida,
perder a nossa cama noutras luas.

terça-feira, 11 de junho de 2013

em qual das lágrimas eu nos morri (2003)

Tomemos, por hipótese, uma cena
de embriaguez final: eis-te na tasca
a beber por canecas de cerveja
tremores, corpos e memórias falsas.

Recordarás aquela amante plena
de silêncios e fácil de palavras
que por baixo da pele buscava estrelas
para as vestir com a pele da madrugada.

Recordarás, meu basto mentecapto,
o que é teu como o que te aconteceu
e este que sou como se fosses eu.

Recordarás a morte por arrasto,
talvez o fluxo dos instantes e
em qual das lágrimas eu nos morri.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

sorte a minha

Sorte a minha, que te guardo
nas viravoltas da vida,
ignorando os seus abismos:
dou por mim menos amargo,
creio em asas que são minhas
quando lembro o teu sorriso.

parada (2002)

Isto é assim: Eu gosto de caber
a tua boca dentro do meu beijo
e aprender sem dor o abc
do teu corpo na língua em que me deito.

Gosto, assim como gosto de caber
arrepios de mama em mão sem freio,
e adoro adentrar-te, bem se vê,
porque gritas "amor!" e eu sou grosseiro.

Comove-me o teu fim que nunca é fim,
saboreio a saliva que primeiro
é vapor de água e só depois inverno.

E nunca és demasiado para mim.
Ainda que na volta do correio
mandes por deus que já não moras perto.

domingo, 9 de junho de 2013

dois, um, dois, nenhum (2001)

Descobrir o teu corpo rebuçado
para o abraçar de beijos e colectas:
os poemas no teu olhar de lado
assim se fazem - que eu não tenho pressas.

Náufrago no triângulo esperado,
desafiar a morte em linha recta,
ir ao fundo do céu, salvar-me a nado,
inalar o universo que se oferta.

Antes e por enquanto e entre tanto
transformar-se na esfera do desejo
o planisfério a dois de sermos um.

Antes e por enquanto. Mas depois:
a cama sempre do regresso ao medo,
os dois por um que já não são nenhum.

sábado, 8 de junho de 2013

o pinguim



Bom dia, Pinguim, deseja-me tantas vezes essa mulher bonita. Bom dia para ela também.

três ou quatro (2001)

Éramos três ou quatro, sempre pardos,
de hábito e espera às voltas na palavra,
três ou quatro com vida para nada
e tempo para tudo, três ou quatro.

Estátuas quase, em três ou quatro traços
perdidos entre a gente que ainda passa,
num caminho usual, em qualquer tasca,
três ou quatro hóspedes embriagados.

Éramos longe como quem não quer,
ao lado sempre, como quem te houvesse,
três ou quatro ais em rasto de mulher...

Mas trouxemos manhãs à noite rota
e deuses nobres porque assim quiseste
e assim sou eu e já não há quem morra.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

o árduo exercício da paixão (2001)

Durante o sol eu era um dos teus cães.
Passeei da tua mão por onde sempre
anuncias o fim da primavera
e segui-te com todo o coração.

Não te deixei à espera, apressei
todo o momento vão; eu só queria
ser de novo na casa aquela fera
que procura consolo até mais não.

À tarde adormeci sob a tua asa
e sonhei-me de língua licenciada
para o árduo exercício da paixão.

E à noite sou este homem que te ladra
verbos de mel, amor em quatro patas,
vamos passear ao sol da tua mão.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

quase

Somei amanhã com ontem,
parti a metade a meio
tantas vezes quantas pude e
distribuí por quem veio:
era uma vez, nem sei como,
quase em ti o mundo inteiro.


não sou de minhas mãos (2001)

Não sou de minhas mãos, eu tenho medo
do corpo esguio em tempos contraídos:
dentro de ti, mulher que embocadesço,
umbilica um soneto de perigos.

A impossível espiral em que persisto
dói de frio à medida de outro enredo,
que tu arquejas como ponte em rio
e eu marulho da espera enquanto aqueço.

Se no gesto és o amor de outra qualquer,
contemplo a claridade da rotina
que sob o sol desceu à tua pele.

Ah! soltaras o freio ao largo potro
que galopa a paciência dos meus dias
e estremecera eu de chaves de ouro!

terça-feira, 4 de junho de 2013

afinal estive bem (2001)

Hoje estavas salgada - e toda a noite
tentei esquecer a sede em nada de água.
E eu, amor, como estava? Tu sorris...
Ai eu bem vi que não dormiste nada.
Passaste toda a noite em alvorada,
aos pinotes na cama de dossel,
como se o sono fosse tarefa árdua
para as princesas quando são de sonho.

E eu, amor, como estava? Antes sorris
como de quem à noite foi mulher
para quem a aborrece de aprendiz,
e depois com a certeza dos que a têm
para a certeza de quem tanto a quer.

Afinal... Afinal estive bem!

segunda-feira, 3 de junho de 2013

o dia seguinte (2001)

Irás à fac de bê-tê-tê, irás de
galope largo em rouxinóis da noite,
sorriso posto em mãos, fruto que à tarde
inflama o verbo e amanhece de hoje.
Não pode haver no mundo quem te arraste
para lá de mim, quem fácil nos desdoire;
não há vento sem norte que remate
na tortura do tempo a paz do açoite.

Embebes de perfume o alcatrão
que foge sob as rodas do meu mundo
e o vento rima cão com coração
quando descobre que estivemos juntos,
até porque tu gostas de ão ão ão
e eu sou  no teu selim os vagabundos.

volte-face (2001)

Eu penso às vezes que a palavra certa
em momento adequado e tom preciso
se há-de esgueirar por uma porta aberta
na parede de trás do teu juízo.

Serás espontânea, hás-de mandar à merda
a mãe, o pai, o mano... enfim: tudo isso;
e abrirás o caminho em linha recta
que leva às curvas de outros paraísos.

Eu amante recente, como sempre;
tu amiga de sempre em pele recente,
mulher no vespertino mel da fuga.

Deste modo é que não serei eu quem:
não há silêncio que te alcance nem
declamação feliz que te abra a blusa.

domingo, 2 de junho de 2013

desencontro (1992)

Não será fácil esta lua gorda,
não; nem a minha mão na tua perna,
nem - só porque hoje te prometes toda
para delírios de atenção eterna.

Pareces tanto o mundo que se foda,
pareces; mais o fim de tanta merda,
mais: alucinação nesta atafona
que degela em momentos toda a espera.

De laboriosa mente te insinuas
em todos os recantos dos meus temas,
como palavra oferta a extinto poema.

Mas eu sigo a tristeza de outras ruas
e parto como vens, em vim de tarde,
sem pedaço do nosso na saudade.

sábado, 1 de junho de 2013

Na planície corrida do meu tecto (2001)

És dessas que penujam por acaso.
Alpinara-te há tanto!, mas confesso
que, nu em força e mãos, estou cansado
na planície corrida do meu tecto.
Por isso me és como quem cresce perto:
amiga por fazer, vizinha ao lado
dos vizinhos que sei, espreito do metro
e setenta em que vivo e não há caso.

Fumeguitorces como roupa seca
ao sol do kalahari, e eu, paciente,
sou nessa espera este que nunca chega
a outro de mim numa outra desentrega
a outra de ti enquanto a noite mente
e os astros rodam lentos como as lesmas.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

tu (2001)

Tu criticas-me os dias, mas eu gosto
de avisos duros quando a voz é terna.
Tu olhas de soslaio e eu decoro
para lembrar à noite a tarde que eras.

Tu não sabes, sei eu, que em cada poro
da tua pele há mais palavras que estas;
ah!, tu nem desconfias, quase aposto,
das maravilhas que eu faria com elas.

Tu és mesmo esse quase de sol posto
que se demora em sombras no meu rosto
e habita a lágrima do desencontro.

Tu és quarto minguante sob a cama
de um corpo só para quem sempre te ama,
tu és acá do muro em que eu me escondo.

sábado, 25 de maio de 2013

quarta-feira, 22 de maio de 2013

esta palavra amor

Sei que às vezes abuso da
palavra amor - mas à
noite viajam sem bússola
idas sem volta; e há
rumos sem norte quando
na minha boca és tanto.

terça-feira, 21 de maio de 2013

.

De manhã despertou-me um sonho de ovos a estrelar. Era o BD impaciente, de um lado para o outro sobre o nosso chão de mosaico. O Barbinhas tinha mais à-vontade comigo: saltava da cama e voltava a pular-lhe para cima, fixava-me, latia-me ao ouvido. Já eram horas.

domingo, 19 de maio de 2013

de lado (1986)

de lado
os pés
cansados
deitados
pequenos
como tu
e como eu
e o que espera
porta fora


de lado
os pés
e o calor
nos teus pés
e ademais
o amor
está de lado

de lado
os pés
mas os teus
ensonados
amarrotados
encalados
encalhados
de lado como tu

de lado
os pés
e tu
e o que pensas
de mim

de lado eu



sexta-feira, 17 de maio de 2013

quadro 63

Quando por sorte adormeço
em noites cheias de lua,
parece até que me esqueço
de que o adeus continua.

                                      1995

terça-feira, 14 de maio de 2013

aqui (2000)

 
ao largo
 
     sombra viscosa
     da acumulação dos dias
          lembrança desta luz
 
     cicatriz inescapável
     do amor intacto:
          sabor à tua pele
 
que
 
     o bico do melro
          sem luta nem fracasso
     continua amarelo

segunda-feira, 13 de maio de 2013

.




Lisboa é um mundo e o mundo um pouco maior que Lisboa, tinhas mesmo de vir ser feliz ao pé da minha porta?



sábado, 11 de maio de 2013

sexta-feira, 10 de maio de 2013

.

Esvaziado o último copo, o silêncio manteve-se. Mas vejam só, tanta noite! Algo resultou, não me venham com histórias.

domingo, 5 de maio de 2013

sábado, 4 de maio de 2013

nós os górdios (2000)


nós os górdios
-----putrefactos
----------na poeira esventrada pelos ventos sáricos
----------sob a longa carícia do latido solar
-----suspensos
----------de esperas violentas
----------em silêncios zumbidos
-----prisioneiros
----------em violáceas vertigens
----------de espirais fugitivas
-----de facto
----------abutres da vida
nós os górdios
-----latejando
----------à superfície da sonolência
----------nos olhos do mundo
-----registando
----------de esconsos cansaços
----------a função humanóide
-----reciclando
----------desnortes de meus olhares
----------em boca fria de teus desejos
nós os górdios
-----os que crepitam
----------de enfados e se enfadam
----------de imprevistos
-----os que juntam
----------carcaças em redor do lento
----------estertor vespertino
-----os que desistem
----------de tudo sem desistir de nada
nós os górdios
-----que de óxido perene e micritude
----------cobrimos
----------o gume ambicioso
----------no acto exaltado
-----que omnivorazes do devir
----------predamos o que não
----------permaneceria
-----que na surdina
----------dos dias repetidos preparamos
----------o funeral de todos
----------os perigos

nós os górdios
ceptro-trono-coronados
hiperoculados no cume
da tua colina
garantimos que:

 
-----não há
----------cavalos na madrugada
-----de amor
----------em cortinas de vento o pensamento
----------não sangra
-----de esperas
----------sobrepostas os minutos
----------não são janelas
----------por chegar
-----não há
----------mãos dadas
----------dedos trocados
----------estrelas de espera
---------------ardendo nos braços
----------bocas passeadas
----------na língua das esperas
----------míticas lascívias
---------------salivando planetas
----------secretos carmins
----------no teu corpo transpirado
----------a semear de insónias
---------------a eternidade
-----não há lamparinas venéreas
----------que movimentem de acalantos
---------------os flamejos da memória
----------que te levem aos pináculos
---------------da vontade como quem
---------------desliza por si
----------que te encostem o sonho
---------------depois do sorriso
----------te pulverizem a fronteira
---------------antes do atrevimento
----------te ofereçam ao desejo
---------------o génio do impossível
---------------na orla do impensado

nós os górdios
ceptro-trono-coronados
hiperoculados no cume
da tua colina
sabemos que:


-----é vestigial a hipótese do tempo
----------no precipitado da tua
----------memória abandonada
-----são produto todas as perspectivas
----------da contínua escavação
----------na profunda noite inumada
-----significam os escolhos
---------------colididos da agida recta infatigável
----------ziguezagues retrocessos contornos
----------mais do mesmo
----------terra pedra breu
----------tanto do mesmo
-----acabarás como chegaste
----------verme anolftálmico
----------tacteando os túneis
----------do único percurso possível
----------no largo lento
----------desfilar de instantes
-----és a solidão
----------de um diamante negro
-----------------
-----das flores e sua música és
----------um eco
---------------apenas longínquo
---------------abafado
---------------torto
---------------incompreensível
----------um frémito
---------------quase imperceptível
----------uma suspeita
---------------de frescura
---------------ao passares sob as raízes

nós os górdios
ceptro-trono-coronados
hiperoculados no cume
da tua colina
informamos que:


-----o teu rio é
----------de navegação paciente e inútil
----------de alcatrão e polímero
----------de margens paradas
---------------onde imenso
---------------o paralelipípedo de argamassa te perscruta
----------de moscas voejando
---------------teimosas no centro da tua pele
----------de longos trajectos
---------------que a urgência dos dejectos
---------------laboriosamente constrói
----------de fundos mergulhos
---------------onde a competência dos corsários te saqueia
-----o teu rio
----------adentra-te
---------------como a noite o dia
---------------quando a luz esmaece
----------conhece-te com
---------------a rotina o gesto
---------------a ponderação a calma
---------------o controlo a ousadia
--------------------de quem possui
----------suga-te na corrente
---------------como olhar de lado em rigidez de perfil
-----o teu rio poluto de intentos em eternidades acumuladas
----------não tem
---------------meandros
--------------------de azul e gozo
---------------donde por onde para onde
----------(o teu rio
----------poluto de ti)

nós os górdios
ceptro-trono-coronados
hiperoculados no cume
da tua colina

VIGIAMOS