domingo, 31 de março de 2013

eu velida nom dormia (pedro anes solaz)

Esta originalíssima cantiga de amigo de Pedro Anes Solaz (séc. XIII) tem, ao que se julga, refrão em língua árabe ("lelia doura" - a noite é longa; "edoi" - esmoreço) e aludirá, segundo alguns, aos amores proibidos entre uma donzela e um músico muçulmano (http://cantigas.fcsh.unl.pt/cantiga.asp?cdcant=838&pv=sim). Está entre os mais belos poemas galaico-portugueses e não me canso de ouvi-lo na voz e na música de Amancio Prada.

 
Eu velida nom dormia
lelia doura
e meu amigo venia
edoi lelia doura.
 
Nom dormia e cuidava
lelia doura
e meu amigo chegava
edoi lelia doura.
 
O meu amigo venia
lelia doura
e d'amor tam bem dizia
edoi lelia doura.
 
O meu amigo chegava
lelia doura
e d'amor tam bem cantava
edoi lelia doura.
 
Muito desejei, amigo,
lelia doura
que vos tevesse comigo
edoi lelia doura.
 
Muito desejei, amado,
lelia doura
que vos tevess'a meu lado
edoi lelia doura.
 
Leli, leli, par Deus leli
lelia doura
bem sei eu quem não diz leli
edoi lelia doura.
 
Bem sei eu quem não diz leli
lelia doura
demo x'é quem não diz leli
edoi lelia doura.
 
PEDRO ANES SOLAZ
 
 

velida - bela, formosa
lelia doura - a noite roda, a noite é longa
edoi - esmoreço
demo x'é - diabos levem

veneno (1989)

Sonho coisas grandes
agora que tu me foges

Que o momento é outro
sem a rotina do gesto
nem o encanto previsto
desencantado por isso
que te envenenei
e o veneno foste tu
que o silêncio existe
apenas quando é preciso

Então por que choro?
E por que sonho o meu choro?

le pingouin (n. fraissinet)


Não passo de um pinguinzinho
Em banquisa distante
Sempre só no meu banho
Nesta imensa piscina
Oceânica e salina

Não passo de um pinguinzinho
Que não tem nada, nada
Nunca terei filhotes
Enfim, imagino eu,
Que nem das 'pinguinas' sei

     Queria tanto pensar

     Que um dia o futuro
     Me trará um navio
     Queria tanto partir
     Do meu tão pobre império
     Onde agora apodreço
     Não tenho outro desejo


Não passo de um pinguinzinho
De banquisa em bacia
Sofrendo em solidão
Sou sempre eu que cozinho
E são sempre sardinhas

Não passo de um pinguinzinho
Sem qualquer paixão
Nem sequer um amigo tenho
Em tão fina banquisa
Só eu me posso mexer

     Refrão

Aventurei-me um dia
Crendo-me já grandinho
Sobre um tubarão branco
Que parecia mais receptivo
Mas não lhe havia visto os dentes

    
Refrão

Eu era um pinguinzinho
Em busca de companhia
Mas só testemunharam
O meu anseio de amor
Aqueles cinquenta caninos

     Queria tanto pensar
     Que um dia o futuro
     Me traria um navio
     Queria tanto partir
     Do meu tão pobre império
     Onde apodrecia
     Não tinha outro desejo

sábado, 30 de março de 2013

4. "Um Pinguim na Garagem" por Guilherme Cartaxo

in http://enfado.org/um-pinguim-na-garagem

«"Vinte e dois anos! Aos vinte e dois, esvaziado de impulsos, deslocava-me apenas, à procura de elogios: predava elogios. E se era guloso! As pequenas vitórias, sentia-as retumbantes, gloriosoas, magnificentes - no exacto segundo que as sucedia. Depois... bem, depois, e afinal, já não eram vitórias, eram somente mais um sintoma da minha derrota. Que eu, eu, sim, eu era uma derrota contínua, sobre a qual os outros se divertiam, experimentavam novas condições, riam até à exaustão.
"O exame ultrapassado, o dinheiro conseguido, esta mulher que me sorrisse à mesa de um café, aquela que encontrasse nos meus braços o difícil e lacrimogéneo orgasmo das viúvas, esse intelectual que concordasse com um qualquer argumento mais arguto, tudo e todos eram acaso, não passavam de engano. Como poderia alguém, no seu perfeito juízo ou na posse da informação pertinente, diz-me, como poderia alguém atribuir-me quaisquer valores e competências?"

Quem escreve assim é o luís. Li 'Um Pinguim na Garagem' de rajada, em dois dias, e continuo a lê-lo cá dentro, como há muito não me acontecia com um livro.»

nostalgia (1997)

Há esta memória vaga
em cada vontade,
o segredo que se acaba
porque já não é.

Num aroma que se faz
depois da partida
e que lembra quanto chove
quando já não chove;
numa tristeza inventada
com a sinceridade
de uma vida que desaba,
irrecuperável;
há esta memória vaga
de felicidade.

Numa cama grande
que à noitinha me recebe
e de madrugada,
fria ainda, me despede;
numa estrada longa
que percorro como quero
para longe, creio,
sem atalhos, sem veredas;
há esta memória vaga
do que já não é,
o segredo que se acaba
na tua vontade.

dona do mundo * (1978)

Quando na rua ela passa
com seus olhares gelados,
a todos deixa pasmados
e a todos embaraça.
Ela é tão má, é tão crua,
que o sol tremendo de frio
a seu olhar já se viu
titirando atrás da lua.


* Pois é, com 11 anos eu já inventava deusas. Houve outras, não muitas, mas esta foi a primeira: a minha professora de português do 1º ano do ciclo preparatório. Escrevi uns poucos poemas antes deste mas seriam ainda piores e perderam-se. Sei que o quarto verso só com esforço é redondilha maior; e que "frio", pelo menos do modo não-lisboeta como eu o digo, não rima muito bem com "viu"; mas na segunda quadra já se nota um gosto que ainda guardo: quando me dá por rimar gosto que a rima seja rica. Se juntarmos a isso a minha preferência por rimas toantes e a incapacidade de rimar vogais abertas com vogais fechadas (por exemplo, para mim, "estrela" não rima com "bela"), já aqui está toda a técnica que tenho.

sexta-feira, 29 de março de 2013

poema

eu sei
tu querias um poema onde coubesses inteira
e eu queria ser aquele que to encontrasse

talvez no meu desajeito ele me surja um dia
e então não terei dúvidas e hei-de reconhecê-lo
e entregar-to
com a criança que se ri no meu coração de homem

enquanto isso não acontece
apenas posso dizer-te     meu amor:

eu ando à procura

.

A esta hora, um pardal bem desperto na árvore mais próxima da minha varanda! Não pára de cantar, o maroto, repetindo-me e repetindo-me ao ouvido que estás bem, que talvez até já estejas a dormir e, assegura ele, a sonhar. É a minha vez: vou fechar os olhos a ver se te encontro.

quadra 61


Se é verdade o que se diz,
que um dia tudo tem fim,
resta-me então ser feliz
por tudo isto que houve em mim.

quinta-feira, 28 de março de 2013

como quem (1993)

Chega de manhã
com um gosto pontual
e entardece por cá.
Coça-me algures
os limites da razão
e eu sorrio.
E as folhas de outono
baloiçam mas não caem.

É daquelas
que o tempo descobriu
e valha-me deus se não enlouqueço
no sonho etéreo de um gesto seu
quando pede a carícia
que não tenho.

Depois, como quem não quer,
insinua-se como quem talvez
e afasta-se como quem decerto;
não fica à noite, eu bem sei,
mas adormece-me sempre,
memória conformada,
tristeza anestesiada
a um canto da vida.

.

Dás-me uma, uma só madeixa do teu cabelo?


espanha

À noite fechei a porta
e adormeci nem uma era
para inventar sonho fora
que também sou desta terra;
porque sempre, como agora,
a vida é longa e a alma é dela,
porque em braços de espanhola
têm início as primaveras.

quarta-feira, 27 de março de 2013

.



Porque hoje é mais um dia de me adormecer o teu nome na minha boca. Porque não posso nem quero esquecer que te amo.

inventário (joaquín sabina)

 
As coisas que me dizes quando calas,
os pássaros que aninhas entre as mãos,
a falta do teu corpo nos lençóis,
o tempo que gastámos a insultar-nos,
o temor à velhice, os almanaques,
os táxis que corriam espavoridos,
a dignidade entregue em qualquer parte,
o violinista louco, os agasalhos,
as luas que beijei eu nos teus olhos,
o denso olor a sémen derramado,
a chacota da história à nossa volta,
as cuecas que esqueceste no armário,
o espaço que preenches na minha alma,
a boneca escapada ao incêndio,
a loucura espreitando atrás da porta,
a batalha diária entre dois corpos,
a minha indignação contra as touradas,
o pranto nas esquinas do olvido,
a cinza ainda à vista, os despojos,
o filho que jamais pudemos ter,
o tempo para a dor, as depressões,
o gato que miava no telhado,
o passado ladrando como um cão,
o exílio, a fortuna, os retratos,
a chuva, o desamparo, os discursos,
as convenções que nunca nos uniram,
a redenção que busco no teu corpo,
o teu nome na capa do caderno,
sempre o meu coração no teu respiro,
a cela que ocupaste na prisão,
minha barca à deriva, esta canção,
o bramido do vento no arvoredo,
o silêncio que esgrimes como um muro,
tantas coisas bonitas hoje mortas,
o tirânico império do absurdo,
os obscuros recantos do desejo,
o teu pai, que morreu eras menina,
o beijo apodrecido em nossos lábios,
as paredes caiadas, a indolência,
a luz dos pirilampos sobre a praia,
o naufrágio de todas as certezas,
o derrube de deuses e de mitos,
a escuridão em volta como um túnel,
a cama navegando no vazio,
o tugúrio que um dia veio abaixo,
o sexo resgatando-nos do tédio,
o grito interrompido, a madrugada,
a fogueira do amor que nos queimava,
a insónia, a sorte, as pontas dos cigarros,
a árdua aprendizagem do respeito,
as feridas que já nem Deus nos tira,
a merda que arrastamos sem remédio,
tudo o que nos foi dado e retirado,
os anos que passaram tão depressa,
o pão que partilhámos, as carícias,
o peso transportado em nossas mãos.
 

terça-feira, 26 de março de 2013

demanda (2001)

és grande
entre vento e folha ao vento
     contínua metamorfose
    
em brincos de pensamento

é teu o mundo
    
e a verdade que procuras
    
é tua como a das aves

não te dói o que não chega
    
nem te mata o que não podes
    
que ser grande é saber
          que ser grande é não ser tudo

segunda-feira, 25 de março de 2013

mulher

Dionísio não é maroto. Apenas sorri porque ouve dela o que nele cala fundo. E lembra-se de quando não sentia o tempo nas mãos porque ela não lhe dava as suas. E percebe que o tempo desliza de novo para fora do corpo.

Ainda e sempre, ela mordisca-lhe o coração e fecha-lhe os olhos. Ainda e sempre, ela é a mulher.

não faço ideia

Pois eu não faço ideia do que pretende o José Sócrates. Na verdade, nem vou perder tempo a tentar fazer alguma, por simples que seja. Não assino qualquer petição contra nem qualquer petição a favor. Não tenho televisão, também não vou assistir a qualquer comentário de mais um espertalhão com cara de pau. Assim também não tenho de me envergonhar só de me imaginar no lugar dele.
 

amo-te (1992)

girava o disco
a trinta e três tontituras

girava e gira e dessa vez
     chuva chuva contrachuva
bailava a carne e dessa vez
     nesta contraditória contracurva

girava e gira e dessa vez
cor cordis declinava
     onde a chuva cai
um coração

domingo, 24 de março de 2013

.

Esta cartografia não precisa de ser actualizada: há trinta anos que é só andar à roda.

desamparo (1985)

Corre-me tão bem
o correr tão mal
que com mais ninguém
correria igual.

Assim, tal e qual.
Nada me convém,
de nada me vale
o amor que me tem.

Espero pela morte
como quem na vida
já não espera nada.

Trago azar à sorte.
Sou alma perdida
em beijos de fada.

maus amantes (2003)

Sem qualquer perigo para as nossas vidas
a casa acabaria por ruir.
De quê não sei, por trás destas pupilas
a memória caminha de perfil.
Talvez no chão da cama a tua urina
cansasse amor e nos levasse abril.
Talvez latissem cães às escondidas
nos ossos pressentidos dos meus sins.

Ou talvez o problema fosse antes
a material postura dos caboucos
da nossa densa improbabilidade,
porque a construção dos bons amantes
é um simples fragmento em sonhos rotos
e o tempo nada mais que o seu desastre.

sábado, 23 de março de 2013

23.03.2013

Barbinhas,

Agora é tão mais fácil correr... Posso ir distraído, sem ter de maçar a cabeça na contagem dos quilómetros por quarteirões repetidos: o aparelho que arranjei diz-me que acabo de fazer doze quilómetros numa hora e que gastei nisso à volta de mil calorias.

Rir-te-ás, eu sei: as tareias que me davas quando ias atrás dos gatos e me levavas atrás de ti... E talvez também te rias destes meus setenta e seis quilos actuais, que não abatem, que não gosto nada de ver ao espelho. É que me sinto mais velho, sabes? Além disso, embora tenha recomeçado a cansada arte de empurrar o planeta, também venho abusando das casas dos outros, da mãe, dos amigos, onde chego sempre com duas garrafas de vinho nas mãos e saio quase sempre com as mesmas duas no bojo. Acresce que durmo de menos, o que, dizem, não ajuda.

Mas nem tudo é mau. O perene bolso vazio, é verdade, mas, um pouco por isso mesmo e desconfio que apenas por enquanto, algo dono do meu tempo.

Enfim, tenho vindo a descobrir alguns recantos intactos no meu coração. E já sorrio mais do que entristeço ao recordar as tuas doidices...

circe


Entretém-me, distrai-me, baralha-me, confunde-me, ata-me, embrulha-me, enreda-me,  envolve-me, enleia-me. Devora-me. Guarda-me. Tem-me. Vem.
1. (atar) amarrar, atar
2. (envolver) embrulhar, empacotar
3. (cigarro) enrolar
4. (confundir) confundir, baralhar
liarse
1. (caso) envolver-se [con, com]
2. (entretenerse) entreter-se, distrair-se;
he llegado tarde porque me he liado en el trabajo cheguei tarde porque me distraí no trabalho
3. (confundirse) confundir-se, baralhar-se

liar In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-03-22].
Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/espanhol-portugues/liar>.
1. (atar) amarrar, atar
2. (envolver) embrulhar, empacotar
3. (cigarro) enrolar
4. (confundir) confundir, baralhar
liarse
1. (caso) envolver-se [con, com]
2. (entretenerse) entreter-se, distrair-se;
he llegado tarde porque me he liado en el trabajo cheguei tarde porque me distraí no trabalho
3. (confundirse) confundir-se, baralhar-se

liar In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-03-22].
Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/espanhol-portugues/liar>.

sexta-feira, 22 de março de 2013

pardais

estou curioso com os pardais
esta madrugada
se chegaram com mais cuidado ou se foram ávidos
na divulgação dos meus segredos
se te contaram tudo ou apenas parte
dos sonhos que fizemos
se agora descansam como eu
na cama de uma repetida confissão

tão curioso com os pardais
esta madrugada
se contaram tudo de uma vez ou se apenas insistiram
no que mais lhes conveio
se tu lhes disseste alguma coisa
e se eles também ouviram o que lhes não disseste
se logo à tardinha
terão urgência em fazer-me visita

sorrio (2003)

Sorrio se o teu cocker se distrai
a farejar as ruas que inventou -
- sorrio porque sei para onde vais
e, claro, é por aí que eu sempre vou.

Persigo-te e sorrio ainda mais
quando à tardinha fazes de charlot;
sorrio até das aves que em sinais
vêm descobrir o fácil que te sou.

Sorrio, enfim, porque me tens por réu,
de todo o mal que aconteceu na cruz,
da má fortuna que baixou do céu.

Sorrio quando os nossos corpos nus
se concedem por último troféu
e se encontram nos nomes que lhes pus.

quinta-feira, 21 de março de 2013

ofício de homem (2007)

não se nos deu por asas abrir caminho

mais tarde ou menos
somos de afundar a subida
e ir ao desengano
     bater de fundo

mãos abertas de ânsia
olhos ao sol cerrados
     mais e mais este chão de abismo
     menos de menos o céu em tudo
eis a crença no voo

assunto encerrado

Para provar que és capaz
de me esquecer de uma vez
vieste ver se aqui se faz
o amor que um dia se fez.

Não sei se foste feliz
nem se fomos mais que sós:
o teu adeus só me diz
que não quiseste ser nós.

Extinguiste enfim a luz
que nos trazia de trás,
e a este engano eu já lhe pus
o letreiro de Horas Más.

quarta-feira, 20 de março de 2013

loucura (1986)

Pendurei a corda ao tecto,
pus-me em cima da cadeira,
retirei desinquieto
o que tinha na algibeira.

Pensei muito circunspecto
que talvez fizesse asneira:
tinha aquilo todo o aspecto
de tolice passageira.

Sempre foi grande a loucura
minha por essa mulher,
mas fazer isto por ela?


Ah que inadiável procura
no seu corpo assim me quer
descer à sua janela...

origens (2003)

a ocupação não obedece
a horários nem rotinas
deu-se como se dá
     com a tosca precisão dos aprendizes

de um modo geral até nem há
     qualquer ocupação
um momento faz outro
e os lugares estão lá
e nós também
e isso é tudo

também de um modo geral
e para sermos mais verdadeiros
nem sequer de um momento para o outro
     o que implicaria sabermos de momentos
     que nunca foram nossos

além do mais não há lugares

terça-feira, 19 de março de 2013

* española (1981)

Si te abrazo me gusta, si te beso,
si parece que quieres como quiero,
si tu cuerpo se va hacia el mío;
y en todo esto estaré siempre sorpreso
pues siempre que, mi amor, te acaricio
mi amor me da todo el amor que espero.



* Hoje lembrei-me destes dois tercetos que acabavam um soneto, escrito num castelhano de quem já vivia em Portugal havia alguns anos.
Aos 14 anos que sabia eu de espanholas? Aos quase quarenta e seis que sei eu de espanholas? E de mulheres? E do Homem? E d'ISTO?

doente (1983)


Agora que o sol
não mais pode ser
e ainda chove aqui
no fundo de mim,
eu só sei dizer
que é péssimo o amor
quando se ama assim.

segunda-feira, 18 de março de 2013

sobrevoo (2001)

quero tudo

estendo os tentáculos quase
     para além das minhas possibilidades
em busca do sopro que o vento inventa
     e da vertigem que o mar trabalha

adormeço de cansaço apenas e nunca
     da procura inacabada
vouvenho em luta e abandono
     consoante o previsto para cada situação
     em minha estratégia

quero tudo
     tudo o que ocupa o infindável percurso
          entre as extremidades do arco-íris
     nas cores que são e nas que seria
          se tudo alcançassem e facetassem
               meus olhos polipinos
tudo neste mar e além-dele

tudo

quero o teu sonho
     menina em maio
     cujos lábios tardam ao entremecer
quero o volátil orgasmo das senhoras
    
entre chás na mexicana
quero a exaltação a dúvida a conquista
    
a perda de eldorados consabidos
    
tragocomédias ou como queiras
quero a angústia da espera
    
o alívio da chegada
     os dias imprevistos
          por noites sem madrugada

tudo tudo

tudo dentro e fora
     aqui e ali
    
agora e noutrora
ser e ter o que há e o que se insinua
     sem que haja o que se insinua
    
nem se insinue o que há
    
sem princípios de incerteza
    
nem sujeições de objecto
    
sem tu de mim nem eu de ti

quero tudo     sim     quero tudo

     mas onde está e como está