quinta-feira, 26 de setembro de 2013

SENIORES

Nos panfletos de candidatura do PS à Câmara de Lisboa, António Costa e os seus mostram ignorar que não existem palavras acentuadas antes da antepenúltima sílaba. Como ninguém em toda a campanha se atreveu a chamar-lhes a atenção, fica aqui registado, neste cantinho que decerto nenhum deles descobrirá, que não se escreve "Séniores" mas sim SENIORES, pela mesma razão que não se deve pronunciar "nior's" mas sim "Seniores". Assim se referiam em latim os "mais velhos" e assim continuamos nós a referi-los, meus SENHORES. Perdão, "Sénhores".

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

palavra exacta

na minha busca da palavra exacta
costumo trocar os olhos com que olho as mãos
e há na terra que arranho uma outra memória
a fazer de mim um dos outros que sou

como folha ressequida que me guardasse dentro
encontro-a então     a palavra exacta
escondida e sólida sob a palavra momento
desfeita e pó sobre a palavra nada

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

mais putas que as putas

Na tropa também se aprendia um pouquinho, e como eu tinha boa memória ainda vou por aí cheio de conhecimento que não me faz falta nenhuma. Sei de cor todas as peripécias da ordem unida, com e sem arma, os postos, a facilidade em fazer e fingir serviços desnecessários, os caminhos que levam à cerveja.

Também sei que "colegas são as putas" e essa é das informações mais hipócritas que me deram - pois colegas são 'apenas' todos aqueles que escolhem estar juntos. Ora, eu na verdade não tinha escolhido juntar-me a eles; mas todos aqueles que faziam carreira ou eram voluntários - esses tinham feito essa escolha. Assim como muitas putas.

Mas à parte o menosprezo que dedicavam à palavra "colega", tinham razão numa coisa: também são "camaradas", porque não só escolheram estar juntos como confiam uns nos outros o suficiente para dormirem juntos. Mais putas que as putas.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

11. Long-seller



"Na paz do nosso jardim foram crescendo ervas daninhas. Com palavras as regámos e fizemos crescer, com palavras cortámos todas as flores para que elas pudessem crescer mais ainda."

Está a fazer quatro anos e disseram-me há dias na Barata que, apesar de se vender pouco, é dos que se vendem sempre.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

cadáveres da vida

Agora, muito contra o meu costume,
ando com apetite para a noite,
que, volta a volta, toda se resume
na ânsia de uma aurora que me acoite.

Busco, de olhos abertos ao negrume,
outra manhã que os feche; o adeus foi-te
fácil, mas por mais que ele me desarrume
tem sido também ele o meu açoite.

Como vês, muito embora sempre o esconda,
vou lançando sementes de regresso
à terra sempre fértil da partida.

Como vês, é de estudo a minha ronda
e sobrevoando a morte ainda me interesso
em dissecar cadáveres da vida.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

.

 
Conheci Serrat no outono de 1990 e este é um dos muitos poemas que ele foi buscar aos meus cadernos em branco.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

voo

Tiraram-me quase tudo,
e se acaso estrebuchei
puseram ar carrancudo
e disseram que era a lei.

Mas o pior foi agora e
eu tão de bolso vazio:
meteram-me na gaiola e
tentaram cortar-me o pio.

Não sabiam os malditos
que as minhas asas são dentro
 e que este voo é um grito
na garganta do silêncio.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

5. Dia de anos - João de Deus

Com que então caiu na asneira
De fazer na quinta-feira
Vinte e seis anos! Que tolo!
Ainda se os desfizesse…
Mas fazê-los não parece
De quem tem muito miolo!
 
Não sei quem foi que me disse
Que fez  a mesma tolice
Aqui o ano passado…
Agora o que vem, aposto,
Como lhe tomou o gosto,
Que faz o mesmo? Coitado!
 
Não faça tal; porque os anos
Que nos trazem? Desenganos
Que fazem a gente velho:
Faça outra coisa; que em suma
Não fazer coisa nenhuma,
Também lhe não aconselho.
 
Mas anos, não caia nessa!
Olhe que a gente começa
Às vezes por brincadeira,
Mas depois se se habitua,
Já não tem vontade sua,
E fá-los, queira ou não queira!
 
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Dei com esta singela e deliciosa brincadeira de João de Deus (1830-1896) numa pequena selecta literária, tinha eu quinze anos; e ainda hoje é uma das minhas preferidas deste poeta algarvio que, com um sentido de humor único, critica um acontecimento inevitável como se fosse um acto a evitar por esse bicho que, tantas vezes distraído, se julga dono do tempo e do mundo.
 
Escusado será dizer que a aproveitei inúmeras vezes para com, esta ou aquela alteração nas primeira e segunda estrofes, e com os devidos acertos métricos, presentear este ou aquele aniversariante. Por exemplo: "Com que então caiu na asneira / De fazer segunda-feira / Quarenta e quatro anos! Tola! / Ainda se os desfizesse... / Mas fazê-los não parece / De quem bate bem da bola! // Não sei quem foi que me disse / Que fez a mesma tolice / Aqui o ano passado... / Agora o que vem, aposto, / Como lhe tomou o gosto, / Que faz o mesmo? Cuidado! ............"
 
 
 

domingo, 1 de setembro de 2013

Ai Deus, que eu já piropei!

Gostaria muito de me unir ao esforço de Elsa Almeida e Adriana Lopera, do Bloco de Esquerda, que ontem de manhã se deslocaram ao Liceu Camões, indignadas com o piropo. Para tal, só preciso que elas me expliquem bem o que é um piropo.

É que vou ao dicionário e vejo estas definições: palavra ou frase lisonjeira que normalmente se dirige a uma pessoa bonita; galanteio; madrigal. Duas delas não me parecem mal, deve ser da minha criminosa insensibilidade; mas a última, essa faz-me levar as mãos à cabeça. Ai, Deus, que eu já piropei! Eu que, por timidez e medo à estalada, pensava não ter tendência para esse tipo de crime, confesso que já compus e ainda vou compondo os meus madrigais. Pior ainda, repetidamente às mesmas mulheres e, às vezes, até a mulheres para quem sou um estranho! Ai, Deus que eu já cometi "violência de género". Ai Deus, que eu já assediei.

Já agora, também gostaria que elas me explicassem se os piropos são só de homem para mulher, como sempre referem, ou se também há piropos de mulher para homem, como a primeira definição de piropo parece contemplar. E se, nesse caso, têm igual gravidade. Aquela mulheraça míope ou delirante que há dias me confundiu por bonito e me chamou de pão - estava a cometer o crime do piropo? Ai, senti-me tão assediado... tão assediado por estes pensamentos criminosos de, escapando por fim à mania do madrigal, lhe dizer em bom português que ela era boa como o milho...

Na impossibilidade de ter assistido ao debate desta manhã no Liceu Camões, explicai-me, Elsa e Adriana, o que é para vós um piropo. É que eu quero muito acabar com o piropo. Mas, claro, só se for o vosso.