terça-feira, 23 de julho de 2013

dois amigos (1984)

 
Tenciono telefonar-te
como quem já nada quer
e entre palavras contar-te
histórias de malmequer;
ensinar-te o estado da arte
dos piropos, se puder,
e antes que a conversa farte
saber da tua mulher;
e pedir perdão talvez,
se a tua voz mo pedir;
e confessar que perdi
noites e sonhos na vez
em que por muito sentir
me senti nela sem ti.
 

sexta-feira, 19 de julho de 2013

10. a decadência dos olfactos - a opinião de Raquel Gonçalves-Maia*

Que história estranha, ficção sim, e realidade muita, desmedida... Laivos de odor orwelliano agridem os nossos sentidos página após página, abalroando as nossas defesas mais tenazes. Decadência?

Estranha a história, tão problemática e tão pura. Servida por uma linguagem requintada, o estilo do discurso alinha o adjectivo e a metáfora, enriquece a imagem, dilata o vulto, premeia o autor. O volteio das personagens, nem sempre fácil de seguir, obriga-nos ao recurso da espiral. Já assim fora em Um Pinguim na Garagem.

Albanta será perfeita. Terra sem nós... Os fantasmas desenhados ensombram, ofuscam, tão vivos se tornam pelo caminho seguido pelo escritor. Aprovação de excelso.

Sim, é um livro - um bem de consumo, pleno no nome. Um romance de inquietações de espírito e agrados de leitura. Luís Caminha afirma-se como um dos grandes autores de língua portuguesa.

------
* Raquel Gonçalves-Maia, cientista, professora universitária e escritora. Os seus últimos livros de divulgação científica são fascinantes e alguns deles podem encontrar-se, por exemplo, aqui ou aqui. Também escreve ficção, com várias e belas obras publicadas.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

.

A tramóia é arte maior, prenúncio de sucesso na vida. Oficialize-se, promova-se, ensine-se, expanda-se. Não se esconda a cábula, ela tem de ser avaliada; não se mascare a substância dopante, premeie-se antes o mérito do seu utilizador; elogie-se publicamente aquele que soube meter uma cunha. Enfim, sejamos todos iguais.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

terça-feira, 9 de julho de 2013

Decisões

Em jovem fui levado a acreditar que o acirrado e acrítico apego às tradições era maldade da direita. Mas hoje sei que o catálogo da maldade não tem alas. Para mim, as decisões de um homem têm de assentar em três princípios, cuja importância vem por esta ordem: 1) o princípio da incomensurabilidade: uma vida não vale menos do que outra; 2) o princípio da sobrevivência: só nos é permitido atentar contra outro ser vivo em caso de extrema necessidade (de alimentação ou de defesa); 3) e o princípio da distância: se tivermos de atentar contra um ser vivo, devemos optar pelo que nos for geneticamente mais distante.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

pirata

Suspirando um sorriso entre
papéis, sorriso guardado e
fundo, sorriso de sempre,
mando-te aqui este recado e
espero um sorriso de volta:
pirata deu hoje à costa.

.


 Adeus, António, nunca fui muito à bola contigo...



terça-feira, 2 de julho de 2013

9. a decadência dos olfactos - a opinião de Carla Ribeiro

in http://asleiturasdocorvo.blogspot.pt/2012/05/decadencia-dos-olfactos-luis-caminha.HTML

Albanta é uma cidade perfeita - ou assim se define. Ali, onde não há excesso de população e a vida quotidiana se define pelos serviços prestados à cidade, e respectivas recompensas ou perdas associadas,  a existência tem uma data de terminação. Talvez seja por isso, por ser insuportável a ideia de viver com data de morte marcada, que alguns querem deixar para trás a perfeição de Albanta. O problema é que a cidade não está disposta a perder os seus...
Há muito de bom para dizer sobre este livro. Desde a forma como a história se desvela, aos poucos, na sua verdadeira natureza, pela voz de um narrador que, sem o parecer, no início, é também figura principal da narrativa, à caracterização gradual de um sistema tão diferente, mas que ultrapassa a estranheza e consegue parecer quase familiar, passando pela beleza de uma escrita quase poética, por vezes, introspectiva, sempre envolvente na forma como se entranha no pensamento do leitor, todas estas características fazem parte do que define uma obra breve, mas impressionante em todos os aspectos.
Das três personagens que se destacam, é talvez o narrador o que mais chama a atenção, tanto pela multiplicidade dos seus papéis - de fugitivo, de conspirador, de condenado - como pelo que, aos poucos, se revela dos elementos que o caracterizam. Elementos que se conjugam para uma fase final particularmente intensa, em que é quase impossível não sentir empatia ante a muito própria, mas de emotividade universal, exposição das circunstâncias do homem que aguarda perante a morte. É nesse momento que a personalidade de Viktor se expõe na sua totalidade, dando forma aos momentos de máximo impacto emocional, impacto este que é também aumentado pela forma como os segredos das outras personagens - e da sua ligação às circunstâncias do narrador - são finalmente revelados.
Albanta e o seu sistema de controlo demográfico são fascinantes e muito bem construídos, com os vastos detalhes que, aos poucos, são apresentados. Mas, mais que a história de um sistema aparentemente perfeito, mas ditado por imposições e regras estritas, marca, neste livro, a imensa reflexão sobre escolhas e arrependimentos, sobre sonhos e desilusões e, principalmente, sobre traição e morte, que transparece da história de Viktor e de Vilna. Das expectativas frustradas e dos ciclos de fuga e regresso, a empatia sentida para com as personagens liga-se a um lado introspectivo nas dúvidas de cada um deles, mas também a uma interessante ponderação sobre as possibilidades levantadas pelo complexo sistema que é Albanta: quanto seria aceitável perder em nome da suposta perfeição?
Uma história breve, mas intensa e complexa, quer no sistema que apresenta, quer nos pensamentos e emoções das personagens que o habitam, A Decadência dos Olfactos marca tanto pelo cenário que apresenta, como pelos rumos da história, como ainda pela beleza de um estilo de escrita muito próprio e pela conjugação perfeita de empatia e reflexão. A impressão global não podia ser melhor. Maravilhoso.