domingo, 29 de dezembro de 2019

primeiro café da tarde XIII

Para a Rayen
(Los Andes, Chile, 2002 - Oeiras, Portugal, 20.xii.2019)


Venho reaprendendo o uso do tempo
desde a tua partida, os meus olhos
ainda reféns dos teus havia muito enevoados.
Surpreso sempre nos vaivéns da espera,
a tua respiração continuará a ser
durante meses a minha rotina.
Talvez um dia destes consiga
reabitar a cama de que me achavas dono,
essa cama que quiseste partilhar comigo
durante um par de noites antes do princípio do fim.
Não tem sido fácil tudo isto sem ti,
meu tranquilo amor chileno,
à minha demanda tem-lhe faltado
a incrível precisão da tua bússola.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

primeiro café da tarde XII


Enquanto ignorei a inoportuna impossibilidade
de todos os meus descaboucados futuros,
nenhuma luz me cegou, em nenhuma fogueira ardi,
na tua existência se ia construindo a casa.

Às vezes penso como seria essa casa.
Não a casa casa, claro, mas a casa um tecto e tanto faz quantas paredes
empoeirados pelos pedaços desatentos da minha indolência,
cimentados pela inevitável busca da tua vontade.

Todos os dias eu experimentaria os sonhos que medisses
para ti e para nós, mesmo quando estivesse doente, até mesmo
quando tentasses o amor com os teus magoados apodos
ante a instalação paulatina da minha fácil rotina.

Não sabes disso, como poderias saber?, mas durante grande parte
da minha última vida fui guardião corajoso do sol das manhãs.
Antes da me extinguir tive a longa expectativa de à noite
nos derramar no teu regresso. Paulatino e sábio porque era tudo meu.


quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Canto do meu cisne

Imagem Wikipedia













A verdade é que depois
de nós tudo se repete
e sigo menos que dois
na modorra deste frete.

Estou velho como fui novo,
sem esperas nem desencanto,
perder-te nunca foi estorvo
do que vivi entretanto.

Mas gosto ainda de exibir-te
por entre as folhas de outono:
és o canto do meu cisne
mesmo quando te abandono.

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

quadra 65


Tem calma, senta-te e pensa,
sempre estiveste em bom porto:
no fundo, é pouca a diferença
entre ir vivendo e estar morto.