terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

SONETO DESTA LENTA APRENDIZAGEM

van Gogh, Noite estrelada, 1889

Quantas vezes num canto desta casa
a noite me apagava de apatia,
quantas vezes esperei de espera rasa
o retorno da noite no outro dia.

Quantas vezes a vida se fazia
de abandoná-la, quantas vezes na asa
da desistência a minha pele tardia
abafava o desejo que se atrasa.

Quantas vezes o riso antes a dois
 acrescentava o pranto à madrugada
e o silêncio ao deserto que me faz.

Quantas vezes o poema foi depois,
quantas vezes a luta abandonada
porque no fundo nunca fui capaz.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

SONETO DOS SENHORES

L. da Vinci, Homem de Vitrúvio
O trajecto foi de erros atrás de erros,
mais de metade cruéis, talvez bem mais,
mas o pior é que fomos sempre os mesmos
imbecis cometendo erros iguais.

Quisemos ser de mais, somos de menos,

que já nem mar se vê do nosso cais,
procuras de que há muito nos esquecemos,
partidas que anulámos por fatais.

Foi tão longo o desdém que nos fez tarde
e tão curto o segredo! Na verdade,
não chegava sequer a haver segredo:

Os nossos sonhos eram sonhos podres
e rasteiros. Quisemos ser senhores
e agora somos escravos deste medo.

                                        Oeiras, 05.fev.2020