parti de lisboa madrugada ainda
para aqui chegar antes da confusão
por isso alunei algumas horas antes
da hora em que é comum abrirem os mercados
queria à-vontade para investigar
todas as ofertas através das montras
espreitar o líquido mais importante
avaliar talvez os preços mais em conta
mas devo dizer-te que esta minha ideia
logo desde o início me pareceu má
pois nada encontrei dessa lua saudosa
onde fomos jovens e nos conhecemos
tudo está mudado nada lembra os dias
em que os dias eram de hoje e entusiasmo
sem a demasia de amanhãs e esperas
percorri cidades aldeias e vilas
e dentro de todas ruas avenidas
sempre em busca de água essa água cristalina
em cujo sabor matávamos a sede
mas também aqui se vão impondo a sede
e os gestos com que ela não se intensifique
também aqui a água é paga a peso de ouro
apesar de muita e menos poluída
de nada serviram os tempos antigos
de bom selenita mineiro capaz
já ninguém se lembra de quanto entreguei
para a construção deste mundo habitável
a única mensagem que me transmitiram
é a de que está proibida a terráqueos
a venda de bens abundantes ou não
que tenham origem no solo lunar
pouco lhes importa que o meu bisavô
tenha aqui nascido inteiro para a lua
e que o seu avô tivesse combatido
para aqui morrer durante meio século
e que há poucos anos eu tivesse sido
um dos que inventaram este paraíso
para resumir-te todo o meu sucesso
dir-te-ei sem sorriso que apesar de tudo
alguém mais ousado enfim me prometeu
o mais bem medido litro e meio de água
numa das melhores garrafas de plástico
a um preço acessível entre os excessivos
está pronta amanhã tem calma que haverá
transparência e luz no teu aniversário
vais poder matar um pouquinho da sede
saltando uma ou duas dessas dez pastilhas
com que diariamente tentamos esquecê-la
mas olha maria não é só na terra
que a água potável se tornou tesouro
muito em breve a lua será outro mais
desses cemitérios de antigas demandas
que vão construindo as invenções do homem
não temos futuro talvez esta seja
a última das minhas viagens à lua