quinta-feira, 23 de setembro de 2021

amiga

Klara é Amiga Artificial: 'vive' para sê-lo, sonha sê-lo na loja onde espera pelo objecto do seu amor: ora na montra, mais directamente sob a luz do seu Sol e a curiosidade dos que passam; ora mais escondida, para que outros Amigos Artificiais, talvez mais brilhantes, talvez menos humanos, tenham a sua vez.

Em breve, nada mais lhe interessará do que compreender e ajudar Josie, que foi quem a quis para si e convenceu a mãe a comprar-lha. A sua competência é tal que chega a pedir a intervenção do Sol, essa poderosa e ocupadíssima entidade que todos os dias a revigora. Pede-lhe, com humildade e fervor, que dê um futuro à sua amiga, que a cure. Sim, porque Josie, ao ter sido 'elevada' ['lifted' no original], tornou-se uma criança muito frágil. Não te preocupes, leitor, aos poucos irás descobrindo o que é isto de ela ter sido 'elevada'.

Ishiguro, suave e genial construtor de mundos, hábil construtor de possíveis futuros e inesperados passados, obriga o leitor a viver, sorrir e folhear, sem reviravoltas, fogos de artifício, soluções ou recursos espalhafatosos. Ishiguro, como sempre, não intervém com as suas opiniões na história e nos ambientes que cria. Estes são, por inteiro, de quem os narra e de quem os vive. E de quem os lê.


- Klara and the Sun
- Kazuo Ishiguro
- Faber & Faber (2021)
- Lido em setembro de 2021, na versão inglesa [há tradução portuguesa, pela Gradiva, 'Klara e o Sol', trad. Maria de Fátima Carmo]