sábado, 31 de outubro de 2020

primeiro café da tarde XXXII


Corria o ano de mil novecentos e noventa e quatro,
limpava-se longamente a estátua do marquês e eu
endeusava um par de mulheres.
Nesse tempo era costume essa minha tendência, ninguém
era tão jovem, excessivo, prometeico como eu,
havia mais morte do que hoje no meu corpo de ontem
e, como é óbvio, mais sonho.

Era o ano em que se limpava longamente o marquês
e em várias camas amor embalava,
Vénus partia com o olhar de quem chegasse
Afrodite chegava com a certeza de quem partisse.
Eu? Eu limitava-me a inventar o tempo,
subtil arrogante como os bons xadrezistas.

No tabuleiro do ano em que se limpava longamente
a estátua do marquês,
sessenta e quatro casas para duas deusas,
nenhuma para mim.

arrependimento


Aborreço o alvoroço à minha volta,
a TV, as conversas, o paciente
olhar dos outros para o meu desnorte,
o trabalho escusado sobre a porta,
as pantufas até de quem pretende
calmar ao fim da tarde o meu galope.

Mas o que mais aborreço
é este arrependimento,
rato sôfrego cá dentro:
amigo do meu amigo
gostaria de ter sido
na tormenta que me coube,
de ter travado em palavra
a hipocrisia que a trava
sempre que a vida ma trouxe.

Aborreço que todos os domingos
as melgas se organizem e por turnos
venham saber se continuo vivo,
aborreço que os espectros desavindos
no meu passado de animal nocturno
sempre me assombrem sem passar recibo.

Mas o que mais aborreço
é este arrependimento,
rato sôfrego cá dentro:
imune ao medo e ao perigo
de perder o já perdido,
quem me dera ter amado
as coisas simples da vida
sem a ânsia de quem precisa
nem o peso do passado.

               2018, outubro, Leceia

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Adolf e Gustl


August Kubizek e Adolf Hitler conhecem-se, ainda adolescentes, quando assistem a uma ópera em Linz. Estamos no final de 1904 e é o início de uma amizade assimétrica, assente no amor de ambos pela música e numa complementaridade feliz: Adolf precisa de alguém com quem partilhar as suas ideias e fantasias, August é bom ouvinte e admira o espírito crítico e a confiança em si próprio que o outro demonstra.

No início de 1908, pouco depois de Adolf ter sido rejeitado pela Academia de Belas Artes de Viena e de a sua mãe ter morrido, ele consegue convencer o pai de August a deixá-lo prestar provas no Conservatório em Viena. August é bem-sucedido e inicia os seus estudos musicais. Vivem juntos durante cinco meses num quarto infestado e escuro da capital austro-húngara, August seguindo uma educação formal, Adolf estudando e interessando-se literalmente por tudo, apesar de as suas paixões maiores serem a arquitectura e a política. As leituras ávidas, nos livros e na sociedade vienense, apuram o pensamento do futuro Führer.

A aversão a que o contradigam, as dificuldades económicas crescentes, talvez algum mal-estar face ao sucesso de August no Conservatório, precipitam a separação: durante uma ausência deste, Adolf abandona o quarto que ambos partilham. O reencontro dá-se apenas trinta anos depois, após a anexação austríaca e às portas da Grande Guerra. As ideias e fantasias que Adolf erguera em jovem para o povo germânico estão em vias de concretização. E apesar de August nos garantir não concordar com muitas delas, é inegável ao longo do texto a amizade e a admiração que nunca deixou de sentir por Adolf Hitler.

The Young Hitler I Knew
August Kubizek
2011
Frontline Books
(Obra Original: Adolf Hitler, Mein Jugenfreund, 1953)

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

primeiro café da tarde XXXI


Janela é vislumbre:
memória do que não-fomos,
abertura para o que deveríamos não-ser,
prenúncio do que não-seremos.




pouco me importa

Poema para Moliendo Café, de Hugo Blanco

Pouco me importa quantas vezes junto à sua porta
me apunhalou a sangue frio por ser eu quem sou,
pouco me importa e na verdade nem receio a hora
do riso a mais que ela desata nos meus funerais.

Se ainda me quer mal, pouco me importa:
a morte tem um quê de quase morta
se não acaba a manhã nem a noite é fatal.

               Leceia e 9 de julho em 2018

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

primeiro café da tarde XXX


De início era para ser diferente:
isto pertencia e não era suposto
de modo algum sobressair.

O busílis começou quando
algumas concretizações d'isto se tornaram memoráveis
a outras concretizações d'isto.

Surgiram a ausência, o ciúme, a inveja,
o vazio, a morte, a falta que me fazes.

Cresceu a esperança de que, seja como for,
ao menos um dia também eu te falte.

a primeira maratona de um poeta




Turb(i)-, pode ver-se no Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa, é um "elemento de formação de palavras que exprime a ideia de agitação, desordem". À entrada do seu primeiro romance, Chico Buarque apresenta-nos algumas palavras que esse elemento integra. Entre elas: estorvo, distúrbio, perturbação, turvo, turbulência, turbilhão, trovão, atropelo, tropel, torpor, estupor, estropiar.

Um homem bate à porta. Quem será? Lembra alguém. Tem barba. Talvez o protagonista "já tenha visto aquele rosto sem barba, mas a barba é tão sólida e rigorosa que parece anterior ao rosto". Num exercício onírico em que a escrita sobressai face ao enredo, o protagonista vagueia a partir daí, em fuga ou não, em busca ou não, desistente ou não, num mundo estranho. Ou talvez apenas num mundo que é um estorvo porque estorvo são os outros, ele próprio, a vida.

O texto é o da primeira maratona de um poeta: senhora da narração, a linguagem não dá tréguas ao leitor. Nesse sentido, aqui e ali, a surpresa de me ter evocado uma outra obra cuja filigrana me enredou há uns tempos: "um pinguim na garagem" de um tal de luís caminha.

terça-feira, 27 de outubro de 2020

o regresso do soldado


Poema para a Serenata de Schubert D 950 n.º 4.
[Poema original de Ludwig Rellstab: "Leise flehen meine Lieder"]

Ninguém sabe em toda a aldeia
o que ele viu por lá,
quantos corpos nas trincheiras
tem a dor que traz.

Vem diferente, olha de lado,
já não diz olá;
mata ainda, corre o boato,
neste vão de paz.

Cabisbaixo, mãos nos bolsos,
cai de quando em vez,
destruído de remorsos
pelo mal que fez.

Os seus olhos entretanto
são rubis de dor,
sangue e choro mesmo quando
toda a luz se for.

É talvez herói de guerra,
desertor talvez,
morto como quem só espera
pela sua vez.


               Leceia e 2 de julho em 2018

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

o poder desnudado



O jovem D. Filipe, IV de Espanha, III de Portugal, encontra o paraíso nos braços da cortesã Marfisa. Saber-se-á por palavras desta que o soberano não o é em amores e que ao quarto ensaio nem chegou a arrancar. Mas também se saberá que tem potencial e que com mais uns tantos encontros aprenderia a agradar mulheres.

Seja como for, a perfeição para o rei foi o corpo nu da cortesã adormecida. De regresso ao palácio e guloso de beleza, faz saber à rainha que deseja vê-la nua. A novidade tem pavio curto e em breve todo o reino a comenta. E se o povo não acha nisso nada de mais, já na corte soa o alarme para as consequências que tamanho pecado teria nos destinos de Espanha. Deus não perdoa desaforos.

Com fina ironia, vocabulário original e narrativa escorreita, Ballester apresenta-nos os argumentos e enredos com que clero e nobreza pretendem evitar ou promover o que para uns é pecado e para outros o simples cumprimento da natureza. As lutas de bastidores, as intrigas, a ânsia de poder, as solicitações de autos de fé são os mesmíssimos na corte dos Áustrias como em qualquer grupelho político desses em que hoje votamos.

Cronica del Rey Pasmado
Gonzalo Torrente Ballester
1989

domingo, 25 de outubro de 2020

quadra 69

in Stylommatophora

Por aqui não tenho império
nem promessa ao que hoje houver,
sem lamento nem mistério
sou nas mãos de um deus qualquer.

sábado, 24 de outubro de 2020

porque arrulham e as rolas são aves


Pensei dar-lhes o nome de rolas
que nas nossas memórias ficasse:
têm a textura das aves em fuga
e o desejo de fuga das aves,
o arrulho das noites em espera
o aroma impreciso do que há-de.

Porque agora já tudo me sobra,
que faço eu do que nunca me cabe?
Pensei dar-lhes o nome de rolas
porque arrulham e as rolas são aves.

Quando o amor nesses dias poalhava
de mistérios teu corpo sem dono,
quis mantê-las em conchas de mão,
concebê-las em sonos de sonho,
percorrê-las enquanto houvesse onde
conhecê-las em quandos de outono.

Que faço eu do que nunca foi meu,
se hoje acabo e já nada me cabe?
Talvez dar-lhes o nome de rolas
porque arrulham e as rolas são aves.

                    Leceia e 25 de junho em 2018 (1.ª versão: Lisboa em 1991)

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

dois modos de passar por aqui




Narciso, amante das catalogações, cientista, pensador. Goldmund, amante da natureza, sedutor, artista. Estes dois homens tão diferentes, opostos no jogo de artifício de Hermann Hesse (1877-1962), completam-se e atraem-se.

O beijo de uma cigana e um conselho de Narciso encetam a errância de Goldmund na busca de si através dos sentidos, da sensualidade e da arte, da relação com os outros e da forma que os materiais adquirem sob o trabalho das suas mãos.

É Goldmund quem encontra a mãe primordial, essa que sempre procurou e que nunca conseguiu representar, essa que dá um sentido à sua existência e que o chama de novo para dentro de si. No fim, pergunta ao amigo: «Como poderás morrer um dia, Narciso, se não tens Mãe? Sem Mãe não é possível amar. Sem Mãe não é possível morrer.» Não morre quem nunca viveu.

Narciso y Goldmundo
Hermann Hesse
Editorial Sudamericana
Luis Tobío [trad.]

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

quadra 66

foto Wikipedia

Possa eu dizer de tudo isto,
quando sofrer xeque-mate,
que avancei preso por fios
mas nunca fui bonifrate.



quarta-feira, 21 de outubro de 2020

da própria cicuta


Eu hoje olhei para trás
como quem olhasse em frente
e senti que era capaz
de ter feito bem diferente.

Podia ter sobrevoado
este abismo em estar de menos,
não ter ido assim cansado
por caminhos tão pequenos.

Podia ser de combate
todo o peso no meu rosto
não tivesse posto a tarde
entre as tardes do sol-posto.

Podia que à flor da pele
me doesse a dor impoluta
de quem por taça fiel
beba da própria cicuta.

                         Leceia, 2018 [1.ª versão: Lisboa, 2011]

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Também Asperger




Em homenagem aos seus estudos de psicopatia autista, Hans Asperger (1906-1980) tem hoje o nome associado a uma síndrome pertencente ao espectro do autismo: a síndrome de Asperger. Mas este famoso psiquiatra infantil, director da Clínica de Educação Curativa da Universidade de Viena no período da anexação alemã, mostrava-se no início da carreira avesso a diagnósticos e acreditava que a atenção e o cuidado necessários davam oportunidades de desenvolvimento a qualquer criança.

Entretanto, e num intervalo temporal bastante curto, as ideias nacional-socialistas foram-se tornando manifestas no conteúdo e na retórica dos seus textos. A partir de certa altura começou a defender que algumas crianças, pela sua associabilidade, eram casos perdidos e um fardo para a comunidade germânica (Volk). Hoje sabe-se que Asperger contribuiu para o programa de 'eutanásia' infantil levado a cabo no Terceiro Reich, tendo enviado, directa e indirectamente, várias crianças para a clínica de Spiegelgrund, onde algumas eram "educadas" e outras eram sujeitas a experiências científicas e paulatinamente debilitadas com barbitúricos até morrerem.

Há quem defenda que Asperger não teve opção e que muitas das suas decisões foram até no sentido contrário, de proteger crianças em perigo. Mas isso não justifica as que ele tomou com base no seu diagnóstico de "criança não educável". Asperger, que teve mesmo a coragem de não se inscrever no partido nazi nem de abandonar a prática católica durante todo o Terceiro Reich, nunca pôs em causa o regime e agiu sempre por moto próprio. Várias funções a que se foi candidatando exigiam uma atitude eugenista e ele sabia-o.

Título: Asperger's Children - The origins of autism in nazi Vienna
Autor: Edith Sheffer
Data: 2018
Editora: W. W. Norton & Company

segunda-feira, 19 de outubro de 2020


Quanto caminho te falta
de sol antes da hora exacta
e essa hora que breu a faz?
No teu olhar quantas estrelas
se extinguirão e ao perdê-las
quanto pó te cobrirá?

Se eu não cair, por castigo,
antes de ti ou contigo,
com que arte serei de estar?
Se essa espera em corpo gasto
for sepulcro do teu rasto,
quanto pó me cobrirá?

E quando, como previsto,
tudo faltar a tudo isto,
que mais há para inventar?
O cadáver do que fomos
mais o cadáver em torno,
quanto pó os cobrirá?

Dará as cartas de novo
à mesa do mesmo jogo
o deus que de início as dá?
Ou também ele será nada
e, pó sobre pó, não tarda,
quanto pó nos cobrirá?

                              Leceia, 11 de maio de 2018

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

primeiro café da tarde XXIX


Lembra-me da era pré-covídea, já lá vão três décadas
e ainda isso não era pecado,
as manhãs que passei à tua porta
de olhos ávidos e gaforina ao vento
à espera de que chegasse a hora.

A hora nunca era a mesma
e, consoante a que fosse, assim se me guardava
mais ou menos o coração da tresloucada correria
que era o sintoma da tua existência.

Quando isto se descovidizar,
espero ter o à-vontade necessário para poder confidenciar-te,
cara a cara na esperança de que mo perdoes,
que fui investigador exaustivo do teu caminho.

Também na esperança de que investigação
e confidência te lisonjeiem,
espero ter o à-vontade necessário
para a minha chegada e a tua partida.

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

primeiro café da tarde XXVIII


Tens razão 
no que dizes acerca

da minha deplorável tendência para desopilar o fígado
com estereótipos à mesa do café,

deste penoso hábito com que insisto
em desenrolar a mesma história desanxabida.


Entendo

que rejeites os pretextos que dou
para as mulheres serem assim e os homens assado,
os portugueses por aqui e os espanhóis por ali,

que negues humor, mesmo eu sorrindo,
aos supostos cambiantes das minhas aborridas
e emolientes narrativas cinzentas.


Irrita-te, bem sei que te irrita,
sob a ameaça do silêncio eu não saber calar,
no ábaco da existência ser nula a soma
do que penso com o que faço e do que faço com o que digo.


Como é evidente, falta-te aceitar
que sou um mau café.
Só depois de o fazeres, deixarás de sofrer
a trágica comédia dos meus dias.

sábado, 10 de outubro de 2020

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

primeiro café da tarde XXVII


À saída de criança, escrevia autobiografias futuras.
Eram de má qualidade, apesar de alinhavadas
no seio de Afrodite e no sonho de Alexandre.

Só anos mais tarde se descobriu incapaz
para os compromissos e a rotina da carne a dois.
E anos ainda mais tarde,
quando o exército o arrebatou ao colo da mãe,
percebeu que abominava liderar
que tentassem liderá-lo.

Esperavam-no muitas mais tareias,
reinvenções e redescobertas do que não buscava.
Talvez porque tenha passado por tudo
menor do que é,
foi-se resumindo a depois, foi recuando
a não agora.

Hoje ainda poderia arranjar uma história no cômputo dos fracassos.
Sempre se arranja.
Mas hoje que a inexorável passagem do tempo lho permite,
hoje não lhe apetece.
Continuam a interessar-lhe apenas
as autobiografia futuras, presente exercício de vaidade,
e basta atentar à sua vida em fio, àquele
ar fraldiqueiro com que vai à guerra,
para entendermos que ao meio século e tal de vida
se lhe acabaram as narrativas.

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

primeiro café da tarde XXVI


Desconheço em que momento da vida
se revelou ser o que na aparência estava,
apenas sei que hoje não me arrependo
de muitas decisões que já chorei.
Tivessem sido outros os meus sonhos,
as minhas encruzilhadas, os meus apegos e desapegos,
tivesse tido a oportunidade de outra vida,
e as tentações teriam sido as mesmas.
Talvez pudesse recordar agora mais sorte,
talvez mais azar, talvez mais gente
entendendo e aceitando este apelo do transitório,
esta busca da partida.
Nada mais do que isso.
Na minha lápide ficaria bem
que fiz do amor um simples endereço
mas amei.

terça-feira, 6 de outubro de 2020

quadra 68


Ainda hoje me pergunto
que valor tem o meu dia
se nunca encontrei assunto
para o que a vida pedia.

quadra 67


Vive a vida instante a instante,
não descanses demasiado,
a morte é já o bastante
para quem anda cansado.

                                      Lx, 1985

domingo, 4 de outubro de 2020

soneto à tua partida


António Rodrigues dos Santos (1942-1999)

Vão contigo, meu pai, todos os dias
de voar longe com as tuas asas,
tão robustas, serenas, decididas,
meu pai: tão minhas sem as ter roubadas.

Tanto tinha de tua a minha vida
que isto agora é só fim, vazio, nada,
abandono e tristeza, alma perdida
de saber que não voltas para casa.

O tempo acaba no teu corpo frio
sob o desassossego dos meus beijos
inúteis, pai, que já não tens regresso.

Escutasses o lamento do teu filho
nesta imensa recusa, neste anseio
de que, existindo, Deus te faça eterno.


                             Lisboa, maio de 1999

sábado, 3 de outubro de 2020

primeiro café da tarde XXV


Pergunto-me
se esta perene beleza multicolor
me invade com o fito do invasor,
se a sua vida me dana e ao mundo que escolhi,
se acaso o escolhi,
se tê-la nos meus dias não é antes
um paulatino, gradual, certo, imprevisto
desencolhimento do fim,
se acaso é fim,
se é acaso o meu fim,
se é o meu desencolhimento acaso.
Pergunto-me se esta perene beleza multicolor
me desarruma e,
se me desarruma,
desarruma porquê
desarruma o quê em mim?,
se me desatina e,
se me desatina,
que perco eu com o desatino
que perco eu do que não é meu?
Pergunto-me se o melhor remédio para o desconforto
ante o alarde desta perene beleza multicolor
não será contemplar e sorrir,
contemplar, sorrir e abanar a cabeça
num gesto de tão parvo,
tão parvo que cheguei aqui,
contemplar, sorrir e abanar a cabeça
sem rancor ao que fui,
sem inveja ao que poderia ter sido,
sem mágoa sequer pelo estafermo que estou.