segunda-feira, 29 de setembro de 2014

o ataque dos países ricos


Muitos argumentos a favor das touradas assentam na importância das tradições e da tolerância para com a divergência de opiniões. Não resistem a um minuto de raciocínio, na medida em que os seus porta-vozes reduzem o respeito pelo mundo ao respeito pelas suas práticas e confundem liberdade de opiniões com liberdade de acções. Surpreende-me, no entanto, a quantidade de gente com influência que não se detém a contar dois dedos de testa.

Bem... na verdade, surpreende-me e não me surpreende... A vida tem-me ensinado que as pessoas raramente usam a razão de um modo imparcial: procuram os argumentos em defesa daquilo em que acreditam e não querem pensar, ou talvez nem possam, para descobrir aquilo em que devem acreditar.

Talvez eu faça o mesmo quando defendo o direito dos animais não humanos a viverem em paz e não terem de conviver com a insensibilidade dos homens. Sendo assim, tenho de saber qual é o meu ponto de partida, aquele que nunca mudarei. E é ele o de que o ser humano não é superior a nenhum outro animal só por ter maior aptidão para, usemos um eufemismo, dominar a natureza. Mas, ainda por trás deste, há outro: o de que todo o animal sofre quando é maltratado e pouco me importa a medida desse sofrimento, para mim é suficiente que sofra. E, ainda por trás deste: o de que, por definição, todo o animal existe e eu não tenho motivação, nem sobranceria nem crueldade suficientes para confinar e acabar com qualquer existência.

O "argumento" da moda utilizado pelos defensores das touradas é o de que todos estes ataques às touradas que se têm intensificado ultimamente fazem parte de um plano dos países ricos do norte da Europa contra os coitadinhos dos espanhóis e dos portugueses. E eu penso para comigo, encaminhado por aqueles pontos de partida: Ainda que seja verdade, isso que importa? Em Portugal não se criticam também os actos bárbaros cometidos noutros países? Benditos sejam se por eles se mudar alguma coisa do muito que por aqui anda mal.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

uma palavra tua, Francisco...


Papa Francisco,

Tendo a distrair-me e a julgar que o meu corpo é o centro de tudo e a espécie a que pertenço o centro do mundo. Mas, apesar de não frequentar a Igreja, os ensinamentos de Cristo têm sido uma das referências na minha luta diária contra esta tendência ego-antropo-cêntrica.

Infelizmente, tenho-me apercebido de que as pessoas "mais religiosas" do meu país estão entre as menos atentas à natureza. Em Portugal há, por exemplo, uma antiga ligação entre as touradas e a Igreja Católica e os maiores defensores desse "espectáculo" de tortura são católicos. Aqui, os principais ataques dirigidos aos defensores de animais são feitos por supostos católicos praticantes.

Ora, eu não creio que Cristo defendesse as torturas e, em geral, os maus-tratos infligidos aos animais nas áreas da diversão, da investigação e da indústria alimentar. Até porque é minha convicção de que no amor aos animais começa o amor à obra de Deus. Sei que no Antigo Testamento são comuns os sacrifícios a Deus; mas também tenho a ideia de que Cristo firmou um pacto novo entre Deus e os homens e que, há muito tempo, essas práticas bárbaras deixaram de fazer sentido. Estarei errado?

Tenho a certeza, pelo que vou seguindo do teu pontificado, que te empenhas em defender os que não têm voz. Então, diz-me, por que razão os fiéis continuam tão insensíveis ao sofrimento das outras espécies? Sobretudo gostaria de saber: será que uma palavra tua, criticando abertamente os maus-tratos aos animais e dando exemplos desses maus-tratos - será que uma palavra tua não os faria pensar melhor no que andam a fazer?

Um abraço do

luís

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Talisca, Mourinho, Jesus, Mourinho


Talisca, jogador do Benfica, marcou três golos fáceis em Setúbal e os deuses enlouqueceram. Lê-se no sítio d'A Bola:

1) 14.09, José Mourinho: «Dizem que Talisca é desconhecido, mas é tão desconhecido que só não está a jogar em Inglaterra porque não tem “work permit” (licença de trabalho). Se a tivesse, estaria cá. Havia muitas equipas inglesas, grandes e importantes, que o queriam.»

2) 15.09, Jorge Jesus: «... o Benfica mais uma vez demonstrou muita qualidade no que faz. Para mim, pelo jogos que o Talisca fez no Brasil, conheciam tanto o Talisca como eu conheço o d`Artagnan.»

3) 18.09, José Mourinho: «Parece que é íntimo com o D´Artagnan, ele anda a ler Dumas. Eu limito-me à minha identidade. Não leio Dumas. Tenho uma vida diferente, um nível cultural diferente, procuro educar-me e procuro um dia não ser acusado de andar aos pontapés ou de andar a agredir a pobre da gramática.»

Jesus é famoso pelas suas intervenções menos correctas. Mas, nesta troca de palavras, é Mourinho quem se espalha ao comprido com o seu donzinho de arrogância:

- depois de, em 1), ter esvaziado de mérito os que compraram o jogador (que, note-se, ainda não é um grande jogador só por ter apontado três golos num jogo);

- e depois de ter lido mal a afirmação 2), suavizada com um 'para mim', de um Jesus picado (para quem souber ler: do que Jesus afirma, apenas se pode depreender que conhece o nome d'Artagnan, não que o conhece e muito menos que lê Dumas; antes pelo contrário);

- Mourinho conclui em 3) que Jesus é "íntimo com" d'Artagnan e que se arma aos cucos a ler Dumas apesar de ser inculto!

Ó Mourinho, esperemos que limitares-te à tua identidade não implique torceres o que os outros dizem quando isso te dá jeito.  Toda a gente comete erros gramaticais quando se exprime oralmente, tu inclusive, mas talvez fosse boa ideia leres mais romances, Dumas incluído, para cometeres menos erros de interpretação. Além do mais, não se descortina que mal daí viria para a tua identidade.