quadra 107

 

Nada me diz o destino,

a origem nada me diz,

é-me bastante o caminho

para poder ser feliz.

quadra 106

Erros e erros no que faço,

no que calo, no que digo

- mas o meu maior fracasso

é ter sonhado contigo.

quadra 105 (quatre-vingts ans)

(Para T. J. M. A.

no dia do seu 80.º aniversário)

São oitenta e de certeza

serão oitenta os seguintes,

mas à grande e à francesa

chamar-lhes-ei quatro-vintes.

primeiro café da tarde XLV

é muito provável que tenha chegado ontem

em tempos pericovídeos

o meu último cartão de cidadão

    ão ão ão

    ão ão ão

informa que tenho para gastar

quase nove anos até maio de dois mil e trinta e um

mais vida menos vida   

    ida ida ida

    ida ida ida

mas que admira

eu que faço quase tudo o que quero

não aproveitar tamanha prorrogação

    ão ão ão

    ão ão ão

pode ser até que em dois mil e vinte e sete

a carta de condução já tenha ido para o beleléu

e com ela éu

    éu éu éu

    éu éu éu

quadra 104

Mantém sempre no sentido:

pode acontecer agora

muito do que é garantido

acontecer vida fora.

quadra 103

Um outro mundo te valha

se costumas, neste mundo,

ver como inútil migalha

a passagem de um segundo.

quadra 102

Não é tudo o meu caminho

nem tudo de que preciso

quando me afasto um pouquinho

e a lágrima se faz riso.

quadra 101

Não há dia em que não lembre

aquela outra narrativa

em que o lumaréu de sempre

na minha chama se aviva.

quadra 100

Com a morte sempre presente

o homem que nunca desiste

evita que o dia invente

o dia que não existe.

quadra 99

Se buscares vigilante

aquilo que mais te importe,

sempre haverá quem se espante

de ser tanta a tua sorte.