segunda-feira, 25 de novembro de 2019

primeiro café da tarde XI


Eritemas a espera,
buscas álacres o prurido,
talvez um bicho tivesse
rastejado a noite inteira
esta preguiça,
talvez um bicho em busca
do melhor compasso
para o delírio.
Sem talvez é evidente
que o bicho eras tu.

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

SONETO DEL HOMBRE SORPRESO


Me gusta tu manera inteligente
de buscar poco a poco lo que pienso
con hechizos y trampas que suspenso
me retienen en ti ahora y siempre.

Me gusta en nuestra casa tu caliente
mirada que es hogar, me gusta el viento
de tu habla que a veces no comprendo
cuando te enteras que la vida miente.

Si te abrazo me gusta, si te beso,
si tu cuerpo se va hacía el mio,
si parece que quieres como quiero.

Tu tan mujer, yo hombre tan sorpreso,
me gusta si en verano tengo frío
y mi amor es todo el amor que espero.


Lisboa y 1983

sábado, 9 de novembro de 2019

primeiro café da tarde XIV


Grande e pontual é o meu cuidado
na dissecção do nosso cadáver,
durante a lua toda, todas as noites,
com o deciso escalpelo do futuro antigo.
Ignoro outra maneira de sobrevoar a morte,
outra arte mais justa que a deste delongado corte
com que busco a madrugada.
Prenúncio de luz para lançar a espera,
é ela, a madrugada,
a terra sempre fértil do que me deixaste.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Hoje Adrianus fica em casa


Van Gogh, Worn Out (At Eternity's Gate)
Imagem Wikipedia
À lareira, Adrianus espera
nessa paz de quem tem fé,
sem chorar o jovem que era
nem lembrar o velho que é.

O final já não o aterra
(na verdade é sonho até),
que foi larga a sua guerra
e entre apuros feita a pé.

No limiar da eternidade,
espera a noite em fim de tarde,
na alma um Deus de almas serenas.

Não se adianta nem se atrasa:
hoje Adrianus fica em casa,
hoje Adrianus espera apenas.

agua selenita


Ayer viajé a la Luna por el agua que te gusta. Me dijeron en todos los mercados que ahora su venta es prohibida a extranjeros, que solo la pueden comprar los selenitas. Sin embargo, hubo un selenita que me prometió una botella. Una sola, por un precio que casi no puedo.

Mañana es tu cumpleaños y me iré a buscarla. Quizás sea mi ultimo viaje, cariño. Poco a poco se van acabando nuestros intereses fuera de Marte.

domingo, 3 de novembro de 2019

primeiro café da tarde IX


Cansado de estar nada e ser ébrio,
deste nós antigo aos gritos na praça,
de mim nas madrugadas quando o teu rosto é sério,
dos nossos papéis serôdios em peça inacabada,
de que a minha vida seja uma pausa na tua
e a tua na minha o que se adivinha,
de ter perdido o meu catre no fim da rua,
de ter falhado e por isso viajar de lado.
Cansado de um nunca estar que é estar sempre ébrio,
deste choro a vendaval no trânsito da espera,
de ser nada, deste quotidiano tédio
por ter sido o que fui quando fui o que era.


sexta-feira, 1 de novembro de 2019

SONETO DA CONSTRUTORA DO MEU PASSADO

Imagem Photosearch

Não consigo inibir-me de um sorriso
no momento em que dizes, rapariga,
que a nossa história foi bem sucedida,
que não há que chorar qualquer prejuízo.

Agarras-me na mão com um suspiro,
pões o teu ar mais sério e rejubilas,
«Eu sempre fui, Antóneo, tua amiga,
tu foste sempre, Antóneo, meu amigo.»

E atestas esse invento e bom prenúncio
com uma lista de episódios nossos
que são notáveis mas que não recordo.

Até na despedida investes fundo
nesse modo sincero e despojado
com que vais construindo o meu passado.

soneto pubentíssimo II

Botticelli: O nascimento de Vénus 
Ontem ainda
estavas aqui,
linda, tão linda,
ao pé de mim.

Mas na ânsia infinda
cheio de ti,
não entendi
que a noite finda.

Agora, só,
choro a lembrança,
crio a ilusão.

E tenho dó
da sem-razão
que é ter esperança.

                                                                                         1978*


*Agora que chamo sonetos a sonetilhos e quejandos, este é de facto o mais antigo dos meus sonetos sobreviventes. Tinha eu 10 ou 11 anos e acabava de conhecer Afrodite num livro de História comprado a alfarrabista. Entretanto, a palavra 'linda', da primeira quadra, foi caindo bastante no meu dicionário literário. A segunda quadra sofreu um pequeno ajuste pouco depois e já não me recordo daquela que a antecedeu. Quanto aos tercetos, torço o nariz à rima pobre, de que hoje fujo a sete pés. A mantê-la, a última estrofe merecia um bom retoque. Mas para que há de um homem com mais de meio século alterar os sonhos da criança que foi?