quinta-feira, 31 de outubro de 2019

tantas musas e uma só

Ao poeta Jorge Fortes, no seu natalício


Já não sei eu quanto ocupa
o amplo harém das minhas musas,
rumando ao céu e sem culpa,
galgando por sobre a turba
enjoada de almas obtusas.

Fi-lo de pedras e plantas
ontem roubadas aos livros,
retiro e alma das calhandras 
tecto e paz dos pintassilgos,
e à espera em cada janela
sopra sempre o canto d'ELA.

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

primeiro café da tarde VIII


Sou escultor e estou com a mosca. Talvez por isso
ao nascer do sol me ponha a enxotar poemas.
A verdade é que estou pelos cabelos
de trabalhar as tuas mãos.
E depois não é só.
Durante a noite inteira me acorrentaste
ao chão da cama com três fumos travessos,
e o fumo do meio trazia a loucura de um diastema.
Chegaste mesmo a sussurrar, num canto da nossa pele,
antóneo, estou afeita a ter-te
de soslaio.
Ah, ingrata!, estou exausto, pelos cabelos
de trabalhar as tuas mãos,
tão pelos cabelos que os olhos
nem são o mais impotente
dos meus modos,
tão exausto que não dares por nada
tem sido o corpo que damos
ao nosso nome.
Sim, estou exausto, demissionário, pelos cabelos,
estou por estes dias um poeta morrendo
de trabalhar as tuas mãos.

sábado, 26 de outubro de 2019

SONETO DO MEU FANTASMA EGOÍSTA


Tenho uma foto de quando
eras tu quase menina,
ao meu lado caminhando
com essa pose magrebina.

E há um fantasma nefando

nessa foto clandestina
ansioso de que, chorando,
lhe incendeies a rotina.
Um fantasma nesse dia
que por vãos de pesadelo
se alenta em chama tardia.

Um fantasma que imagina

oportuno o seu desvelo,
eras tu quase menina.

terça-feira, 8 de outubro de 2019

primeiro café da tarde VII


Em que linha dessa vossa leitura da vida se deu
a abrupta descoberta de que éramos quincalha?
Imagino que logo ali nalguma do proémio, não é?,
entre aquelas de que por berço nos sobrevoais.

E, no entanto, o vosso viés é largo e a crença demasiada.
Um dia destes, se quiserdes,
encontramo-nos num dos nossos dois ou três sonhos
junto às madrugadas de sexta-feira.
Apesar de breves, são densos como o chumbo.
Ou, para sermos precisos,
como o ouro a sério.

Qual quincalha, qual quê.