sexta-feira, 9 de outubro de 2020

primeiro café da tarde XXVII


À saída de criança, escrevia autobiografias futuras.
Eram de má qualidade, apesar de alinhavadas
no seio de Afrodite e no sonho de Alexandre.

Só anos mais tarde se descobriu incapaz
para os compromissos e a rotina da carne a dois.
E anos ainda mais tarde,
quando o exército o arrebatou ao colo da mãe,
percebeu que abominava liderar
que tentassem liderá-lo.

Esperavam-no muitas mais tareias,
reinvenções e redescobertas do que não buscava.
Talvez porque tenha passado por tudo
menor do que é,
foi-se resumindo a depois, foi recuando
a não agora.

Hoje ainda poderia arranjar uma história no cômputo dos fracassos.
Sempre se arranja.
Mas hoje que a inexorável passagem do tempo lho permite,
hoje não lhe apetece.
Continuam a interessar-lhe apenas
as autobiografia futuras, presente exercício de vaidade,
e basta atentar à sua vida em fio, àquele
ar fraldiqueiro com que vai à guerra,
para entendermos que ao meio século e tal de vida
se lhe acabaram as narrativas.

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