domingo, 4 de outubro de 2020

soneto à tua partida


António Rodrigues dos Santos (1942-1999)

Vão contigo, meu pai, todos os dias
de voar longe com as tuas asas,
tão robustas, serenas, decididas,
meu pai: tão minhas sem as ter roubadas.

Tanto tinha de tua a minha vida
que isto agora é só fim, vazio, nada,
abandono e tristeza, alma perdida
de saber que não voltas para casa.

O tempo acaba no teu corpo frio
sob o desassossego dos meus beijos
inúteis, pai, que já não tens regresso.

Escutasses o lamento do teu filho
nesta imensa recusa, neste anseio
de que, existindo, Deus te faça eterno.


                             Lisboa, maio de 1999

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