terça-feira, 30 de janeiro de 2007

OUTRO HOMEM

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– Ama-a?
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– Muito.
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– Então por que decidiu retirá-la da cabeça?
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– Não sou amado.
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– Ah! Não a ama, então?
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– Eu? Não, não... Eu amo-a.
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– Compreendo... E não imagina, num futuro próximo, vir a ser correspondido?
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– Impossível.
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– Senhor José, diga-me uma coisa...
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– Não aguento mais. Penso suicidar-me.
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– Mas diga-me só...
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– Estou sempre a pensar que seria bom morrer durante a noite...
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– Disse-me há pouco que já viveu com essa mulher... Durante quanto tempo?
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– Não tenho forças... Penso suicidar-me... Um ataque cardíaco, durante a noite..., um ataque cardíaco que me fulminasse também seria óptimo. Vocês fazem isso?
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– Senhor José: durante quanto tempo viveu com essa mulher?
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– Pois... Não fazem...
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– Quanto?
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– Nem fazem ideia...
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– Desculpe... Quantos?
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– Três... Três anos...
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– Felizes?
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– Como cães bem tratados. Mas disseram-me que vocês podiam resolver o meu problema. Não é verdade, pois não?
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– Que recordações tem desses três anos?
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– Como disse... Amei-a tanto!
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– Amou-a?
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– Amo-a.
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– Ama-a?
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– E amei-a.
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– Há quantos anos terminou...?
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– Há dois...
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– ... que já não a ama...
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– ... que tudo terminou...
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– Pois... que o amor terminou...
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– Não: que tudo terminou.
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– Claro, claro... Que tudo terminou. Senhor José...
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– Pois... Tudo.
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– E o amor?
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– Tudo! Não o amor...
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– Ok... E diga-me uma coisa, senhor José: sabe que a operação é irreversível, não sabe?
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– Irreversível?
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– Irreversível.
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– Pois. Irreversível...
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– Eu explico: se, por acaso, voltar a encontrar essa mulher, não a reconhecerá. Isso pode causar-lhe alguma perturbação, sobretudo se ela...
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– Eu sei... Mas o corpo dela ainda aqui, dentro do meu... E, no entanto, partiu! Partiu. Não foi partindo: partiu apenas. Ai! Amo-a tanto... Não aguento mais.
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– Ama-a assim tanto?
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– Assim! E perdi-a...
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– Mesmo?
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– Definitivamente.
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– Está certo, senhor José. Então vamos fazer o seguinte: preciso apenas que me assine esta autorização. Leve o seu tempo, leia com calma. A operação realizar-se-á amanhã às 10 horas e o senhor terá alta depois de amanhã, à tarde, se não houver complicações...
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– Se não houver complicações?
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– Pois. Caso não haja complicações...
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– Se não houver complicações...
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– Mas esteja descansado, homem... Amanhã essa mulher que tem na cabeça nem passado será.
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– Meu deus! Nem passado...
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– E a memória desta nossa conversa, a memória da operação: tudo o que tiver a ver com ela...
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– Isso tudo sem complicações...
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– Com muito poucas complicações, senhor José. Mas não se preocupe: essa dor vai passar!
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– Isso! Eu já não consigo aguentar esta dor! Eu quero que esta dor acabe!
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– Mas não tenha dúvidas! Essa dor vai passar mesmo! Amanhã será um homem novo, pronto até... olhe: pronto até para novas experiências amorosas.
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– Isso... Amanhã. Amanhã já não serei. Amanhã! Outro homem. Um homem novo!
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– Mas claro, homem! Amanhã será um homem novo!
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