segunda-feira, 11 de abril de 2011

um sonho qualquer

o estuga     como eu lhe chamo     passa por mim todas as manhãzinhas    de guarda-chuva e pasta na mão
mas só há alguns meses é que reparei: quando o semáforo para peões está fechado     ele repete o quarteirão          e se isso é impossível por algum motivo     refaz a calçada em sentido contrário e retorna

há dias troquei-lhe as voltas e     do outro lado da rua     sempre sem ser visto     acompanhei-lhe o percurso
descobri assim que ele vai até à praça do comércio     vira à esquerda quando já não não pode ir em frente e segue na direcção da gare de santa apolónia com as necessárias repetições de quarteirão

depois de ali chegar     estuga ainda mais o passo     ou assim me pareceu    e campo das cebolas rua da madalena regressa à rua da palma para finalmente entrar na pastelaria a eira     já na rua de angola

aqui     sem se sentar     bebe um garoto e um copo de água     isto pelas nove e meia      a hora precisa dependerá da exigência dos quarteirões
de seguida sai e vira à esquerda pela rua do forno do tijolo          agora cabisbaixo     pé que espera pé     mão deslizando pela calva pensativa

ontem respirei coragem e pus-me de amigo com o seu derrotado andar das dez          perguntei-lhe:
porquê?

ele deteve-se para me encarar
nos seus olhos brilhava um sonho que talvez ninguém possa entender

e desatou a correr

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