sábado, 25 de agosto de 2007

O QUE ME FAZ CORRER

Um poeta não é tanto cá de fora. Como um bom cientista, não acredita na procura da verdade; mas é muito mais livre porque também não procura as mentiras em que o futuro pode ser obrigado a viajar.

Pensa-se que um poeta não pensa – é pensado. Ao comum dos mortais, até parece que por palavras; mas, convenhamos, é apenas moda essa coisa de estar sempre a falar de palavras. O que a sério o manipula são os ritmos e os sons: as palavras só vêm depois. Porque é um sedutor, comprometeu-se a dispor os sons de modo a que possam significar. Mas o seu maior prazer é que esses sons signifiquem tantas coisas diferentes que até possam nada significar. Só assim ele se cumpre: inventando aquelas mentiras de mentiras que se tornam nas mentiras de cada um e nas mentiras de ninguém.

Claro que, enquanto vai fabricando os tais sons e os traduz em letras, ele próprio pode ser desviado por uma mentira específica. Mas, atenção, estamos sempre a partir do princípio de que ele é poeta... E, assim sendo, não terá nenhuma dificuldade em abrir a mentira a uma qualquer mentira de mentiras. Tanto assim que, mais tarde – e mais tarde pode ser uns minutos depois –, ele próprio fará uma leitura diferente daquela que na sua escrita leu.

Enfim, um poeta é como se bebesse tudo. Se eu fosse poeta beberia o mundo por garrafas inteiras de universos paralelos. A luz apresentaria então um leve tremor – mas isso seria apenas lembrança. Assim como quando um toque na mesa é reminiscência de onda no mar, sobretudo se a mesa for de madeira.

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