quinta-feira, 9 de agosto de 2007

ESCONDER A BOLA

Há as pessoas que se servem de regras e as que inventam mais algumas, as que se oferecem ao vento e as que se importunam com indícios de brisa. As pessoas à minha volta, juro: ou pertencem à primeira parte destas dicotomias ou à segunda.

Atenção, que isto não tem nada que ver com homens e mulheres. O Nuno, por exemplo, pertence à segunda categoria. O que me enerva bastante é que nem fode nem sai de cima da Ana, que pertence à primeira categoria.

Connosco é o contrário. Vou exemplificar com um jogo: o snooker. Eu, com este tom que em nada o disfarça, pertenço à primeira parte das dicotomias: aproveito as regras para espicaçar o jogo, escondo a bola, impeço a tacada directa, obrigo o outro à tabela difícil, retardo-lhe a vitória. Por cima disso tudo, rio das dificuldades que vou criando. Não rio do adversário, não, embora possa parecer. Ou melhor, não gozo do adversário, porque até acho que tem mais piada quando me posso rir dele com ele: isso também é rir-me da minha alegria. De outra maneira, tudo é morrer.

Claro que há quem entre no meu jogo e até há quem o faça bastante melhor que eu. Mas são bastante mais os que se exasperam e acabam por me dizer, e se não dizem sentem, e, quando sentem sem mo dizer, dizem a quem mo venha dizer:

– Quando é que começas a jogar a sério?

ou:

– Assim não jogas nem deixas jogar.

O problema nisto tudo é que, para poderes jogar com estas pessoas, tens que entrar no espírito delas, acordar tacitamente sobre atitudes e gestos que são maldades e que, por isso, são de evitar. Ou seja, para além das regras próprias do jogo, há as regras próprias para te saberes comportar durante o jogo.

Detenhamo-nos agora no que aconteceu entre ti e mim. Tu pensavas que eu pertencia à segunda categoria. E eu, que sabia que tu o pensavas, durante muito tempo me comportei como sendo dessa categoria, acreditei que era dessa categoria, cheguei a ser dessa categoria. Morrecia.

Mas um dia não resisti ao osso e abocanhei-o: escondi a bola, embora sem me rir. Terás duvidado: «fez de propósito?» E aí cometeste um erro: acreditaste que não, que não havia intenção no meu gesto. O que te mergulhou em desamparo e desassossego quando eu repeti e repeti e repeti.

Comecei a ganhar mais jogos e comentei isso mesmo contigo. As coisas estavam, agora, mais equilibradas.

– Mas, claro – disseste –, não estamos a jogar o mesmo jogo.

Lembras-te? E eu surpreso:

– Então?

– Não estamos a jogar o mesmo jogo. Tu estás a fazer batota...

– Eu?

– Sim, tu. Por que é que não vais às tuas bolas e me deixas jogar as minhas em paz?

Estavas irritada e eu nem o sonhara. Eu jogava com as regras e tu estavas de acordo com isso, pensava eu.

E, enfim, que mais podia eu fazer senão retroceder? Comecei a ter cuidado para evitar fazer mais maldades. Comecei a perder, um, dois, três, dez jogos seguidos. Dizias que eu não me estava a esforçar. Mas até estava: estava a esforçar-me imenso para não ser mauzinho.

Espero que esta confissão te adoce a bílis.

Perguntaram-me no outro dia se, passados tantos anos, ainda pensava em ti, se te queria, se te recordava... Se penso em ti? Se te quero? Se te recordo? Nem deixo passar o teu horóscopo nas revistas de coração, vê lá tu, para inventar que descubro os teus passos lentos em redor das vidas, da tua, da minha, da que se perdeu.

Eu escondia a bola branca. Mas tu tiraste-a da mesa e levaste-a contigo.

– Não brincas mais?

Sem comentários:

Enviar um comentário