sábado, 4 de maio de 2013

nós os górdios (2000)


nós os górdios
-----putrefactos
----------na poeira esventrada pelos ventos sáricos
----------sob a longa carícia do latido solar
-----suspensos
----------de esperas violentas
----------em silêncios zumbidos
-----prisioneiros
----------em violáceas vertigens
----------de espirais fugitivas
-----de facto
----------abutres da vida
nós os górdios
-----latejando
----------à superfície da sonolência
----------nos olhos do mundo
-----registando
----------de esconsos cansaços
----------a função humanóide
-----reciclando
----------desnortes de meus olhares
----------em boca fria de teus desejos
nós os górdios
-----os que crepitam
----------de enfados e se enfadam
----------de imprevistos
-----os que juntam
----------carcaças em redor do lento
----------estertor vespertino
-----os que desistem
----------de tudo sem desistir de nada
nós os górdios
-----que de óxido perene e micritude
----------cobrimos
----------o gume ambicioso
----------no acto exaltado
-----que omnivorazes do devir
----------predamos o que não
----------permaneceria
-----que na surdina
----------dos dias repetidos preparamos
----------o funeral de todos
----------os perigos

nós os górdios
ceptro-trono-coronados
hiperoculados no cume
da tua colina
garantimos que:

 
-----não há
----------cavalos na madrugada
-----de amor
----------em cortinas de vento o pensamento
----------não sangra
-----de esperas
----------sobrepostas os minutos
----------não são janelas
----------por chegar
-----não há
----------mãos dadas
----------dedos trocados
----------estrelas de espera
---------------ardendo nos braços
----------bocas passeadas
----------na língua das esperas
----------míticas lascívias
---------------salivando planetas
----------secretos carmins
----------no teu corpo transpirado
----------a semear de insónias
---------------a eternidade
-----não há lamparinas venéreas
----------que movimentem de acalantos
---------------os flamejos da memória
----------que te levem aos pináculos
---------------da vontade como quem
---------------desliza por si
----------que te encostem o sonho
---------------depois do sorriso
----------te pulverizem a fronteira
---------------antes do atrevimento
----------te ofereçam ao desejo
---------------o génio do impossível
---------------na orla do impensado

nós os górdios
ceptro-trono-coronados
hiperoculados no cume
da tua colina
sabemos que:


-----é vestigial a hipótese do tempo
----------no precipitado da tua
----------memória abandonada
-----são produto todas as perspectivas
----------da contínua escavação
----------na profunda noite inumada
-----significam os escolhos
---------------colididos da agida recta infatigável
----------ziguezagues retrocessos contornos
----------mais do mesmo
----------terra pedra breu
----------tanto do mesmo
-----acabarás como chegaste
----------verme anolftálmico
----------tacteando os túneis
----------do único percurso possível
----------no largo lento
----------desfilar de instantes
-----és a solidão
----------de um diamante negro
-----------------
-----das flores e sua música és
----------um eco
---------------apenas longínquo
---------------abafado
---------------torto
---------------incompreensível
----------um frémito
---------------quase imperceptível
----------uma suspeita
---------------de frescura
---------------ao passares sob as raízes

nós os górdios
ceptro-trono-coronados
hiperoculados no cume
da tua colina
informamos que:


-----o teu rio é
----------de navegação paciente e inútil
----------de alcatrão e polímero
----------de margens paradas
---------------onde imenso
---------------o paralelipípedo de argamassa te perscruta
----------de moscas voejando
---------------teimosas no centro da tua pele
----------de longos trajectos
---------------que a urgência dos dejectos
---------------laboriosamente constrói
----------de fundos mergulhos
---------------onde a competência dos corsários te saqueia
-----o teu rio
----------adentra-te
---------------como a noite o dia
---------------quando a luz esmaece
----------conhece-te com
---------------a rotina o gesto
---------------a ponderação a calma
---------------o controlo a ousadia
--------------------de quem possui
----------suga-te na corrente
---------------como olhar de lado em rigidez de perfil
-----o teu rio poluto de intentos em eternidades acumuladas
----------não tem
---------------meandros
--------------------de azul e gozo
---------------donde por onde para onde
----------(o teu rio
----------poluto de ti)

nós os górdios
ceptro-trono-coronados
hiperoculados no cume
da tua colina

VIGIAMOS

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