quarta-feira, 30 de maio de 2007

CRISTINA

-----A Cristina que nunca mais chegava!... Desejava-a por cima, de rolas fartas e soltas durante a montada, a humidade da terra na sua boca esquiva, o quarto escuro do seu cabelo. Escutava-lhe o silêncio e depois do silêncio os olhos parados, o ar difícil e majestoso no seu domínio: “vou fazer-te sofrer, agora é que eu te vou fazer sofrer”.
Mas qual sofrimento, homem?...
-----
-----Sofrimento acontece aqui: agora mais agora menos, serpentes a crescerem, a crescerem, a crescerem. A crescerem. À cabeça das máquinas registadoras, dentadas insignificantes: desconfia-se de trocos, confirmam-se preços e produtos, demoram-se pagamentos. Há outra serpente eterna a reaparecer do interior de cada serpente moribunda.
-----
E lado a lado, entre dentadas, os pedidos de socorro:
-----
– Cristina, passa-me a chave!
-----
– Cristina, trocas-me aqui em moedas de vinte?
-----
– Cristina, não te esqueças que hoje vou almoçar ao meio-dia!
-----
Uma agulha pica-lhe o crânio, chega-lhe ao centro de tudo. Não consegue sorrir. A encarregada já a avisou: “Cristina, tens que sorrir mais. As pessoas não têm culpa.” Mas ela não consegue...
-----

-----Na cama, ele esperava... Mas Cristina nem desconfia que era espera.
-----– Só sabes foder! – costumava ela dizer-lhe antes de sair.
-----A verdade é que ninguém sabe fazer tão pouco como foder apenas, mas ele parecia não ter energia para o que ela acreditava ser essencial: levantar-se, ir à procura de trabalho, trabalhar... Estava sempre em modo cama. Por isso, respondia que a culpa era dela, que sabia fazer tudo, que fazia tudo bem, e entre tudo o modo como punha a foder o seu corpo de égua brava. A imagem daquela fêmea dominadora, dominadora e doce num só tempo, entontecia-o como o primeiro amor dos adolescentes que se fundem a partir das mãos entregues. Respirava no quarto todas as memórias, todos os coitos que a distância interrompia.
-----
-----E lá vai a Cristina à sua hora de almoço.
-----
– Coitada! – diz a colega que a substituiu.
-----
– Então? – indaga a do lado.
-----
– Há dias chegou a casa e descobriu que o gajo a tinha encornado.
-----
– Ah! Coitada... Tão trabalhadora... É assim que eles agradecem...
-----
– Vê lá tu que o tipo nem sequer se deu ao luxo de esconder o preservativo que tinha usado com a outra...
-----
– E ela sabe com quem foi?
-----
– Não. Acho que nem quer saber... Só descobriu por causa do preservativo no chão...
-----
– Pois... Mas deixa estar que ele há-de arrepender-se...
-----

-----Ai, a Cristina que nunca mais chegava! Num ímpeto de verosimilhança, ele abriu a gaveta, puxou de um preservativo, rasgou-lhe o rebuço. Colocou-o. Secava-se-lhe a garganta e o seu corpo era inteiro. E sem nunca ter sabido de onde partira, já galopava. Cristina era um fantasma mas soltava-lhe a rédea até ao salto final, esporava-o, exigia-lhe as pressas da chegada.
-----Minuto e meio! Retirou o preservativo, deu-lhe um nó, lançou-o ao chão.
-----«Cristina...», balbuciou.
-----E adormeceu.

Sem comentários:

Enviar um comentário