terça-feira, 18 de maio de 2010

MANHÃ AMARGA


Sete da manhã.  Cada sorvo de ar faz-me um rasgão do peito ao pescoço, do peito ao braço esquerdo. Falta-me o ar.
O Barbas salta da cama assim que se apercebe dos meus olhos abertos.
– Ainda falta meia hora, Barbas.
Mas não deslate enquanto o não passeio. Levanto-me, preparo-me, levo-o como posso.
A seguir, lentalentamente, dirijo-me ao hospital.
Triagem de Manchester.
Uma fita vermelha à volta do braço.
Emergência.
Duas horas de espera, o meu nome soa, associado a uma sala onde um médico escrevinha.
– Então diga lá.
E lá lhe digo.
Nunca chega a levantar os olhos, nem quando se levanta para me auscultar.
A seguir, volta a sentar-se e atende um telefonema. Não pode ir ao futebol, é uma pena mas está de banco.
Quando desliga tento estreitar laços, é mais outro que gosta da bola:
– Vamos lá ver se é desta que o Benfica…
– Passe aqui ao lado e entregue esta folha.
– O que é?
Não me ouve. Outro telefonema.
Ali ao lado, tiram-me sangue, fazem-me um ECG e encaminham-me para outra sala, onde espero durante uma hora que me chamem para a radiografia torácica.
As dores são as mesmas.
Radiografia despachada, hora e meia na sala de espera.
Sou chamado à primeira sala, onde reencontro o médico.
– Não é nada – sintetiza, sempre cabisbaixo, enquanto rabisca qualquer coisa. – Entregue isto aqui na sala da esquerda.
– O que é?
– Vai acalmá-lo.
Na sala da esquerda recebo um líquido num copo de plástico: «Tome isto.»
– O que é?
– Amarga um pouco.
– Sim, mas o que é?
Não há resposta, o meu interlocutor é chamado à sala ao lado da sala ao lado.
Antes de sair, pago.
Deito o copo fora, com todo o seu conteúdo, no primeiro caixote do lixo que encontro lentalentamente dirijo-me para casa.
Estou calmo.

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