quinta-feira, 12 de março de 2020

SONETO AMARGO


Hoje, pelo que sei, nunca perdoas nada.
É pouco de admirar, recordo-me de que antes,
mas bem antes da guerra, éramos nós amantes,
já sabias ser má. Eu achava piada
e ria-me a bom rir do teu mando na estrada,
pé no acelerador, sanguessuga ao volante,
e até dos palavrões e do amuo incessante
com que ias assistindo à minha vida errada.

Eras fatal quando eu à noite me ocultava
na busca pertinaz que dos outros me trava,
no antigo pormenor, meu constante demónio.
Quando menos mulher neste corpo açorado,
já tinhas esse dom para pôr-me de lado:
«Eu também estou aqui. Lembra-te disso, Antóneo.»

                                       Leceia e 12 de março em 2020

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