sábado, 16 de junho de 2007

O PALADAR DO REGRESSO

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    De entre o polegar e o indicador, mais ossos que dedos, mais unhas que ossos – ela desprendia sobre a mesa uma poeira de folhas secas.
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Com a tragédia nos olhos, recolheu o montículo assim formado e libertou-o sobre uma chávena de líquido escuro. Ao primeiro contacto – uma neblina veloz; com a neblina, uma onda de calor.
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E um grito.
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Era o jovem à sua frente. Tentava desembaraçar-se mas as pernas não queriam obedecer.
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E ela? Por entre a névoa, mexe a solução com uma pequena colher, tosca e de madeira cinzenta. Tranquila. Atenta. Com sopro de mãe, como o verdugo que a sociedade exige.
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Estende a chávena num gesto decidido: “Anda, bebe. Bebe o chá dos fracos, luís!”
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Dispara o coração do luís, enquanto um resto de névoa se esvai sobre o soalho.
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E dentro de mim, não no céu-da-boca, definitivamente não na língua, mas dentro de mim, fluindo como um sangue de cujo percurso eu pudesse ter consciência, alastra um paladar amargo como açúcar em ponto de rebuçado.
-----É o paladar do regresso.

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