sexta-feira, 22 de outubro de 2010

amor de cão

na minha vida quase sem registos cai hoje a fotografia ocasional de um dia há onze anos
foi o ano em que meu pai morreu e também o ano em que deixei de envelhecer     pois é de ciência certa que o tempo e a morte não me ocupam desde então

o pêlo ainda sem brancas já escondia o queixo que sempre quis esconder     e o olhar sem espera     traindo o azul de sempre     lembra o de agora sem o peso aferido pela desistência
quanto passei desde então     nesta minha vida de agostos por casa e viagens ao café     de chapa ganha ao dia e gasta à noite     de meia dúzia de amigos que fiz por ir despedindo

não confesso     como neruda     que vivi          apenas e tanto que nesta corrida lenta persistem amizades nunca traídas     entre as quais a deste bichinho sempre em busca do meu calor e que me adora por sala e cama     a deste cão que me lambe as lágrimas e encosta a cabeça à minha na concha da almofada:
é o velhinho e inestimável barbas     comigo desde esse dia há onze anos que a fotografia recorda

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