sexta-feira, 20 de julho de 2007

sílvia

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     Apresentei-lha há dias, com malícia: «Sílvia, engenheira informática. Trabalha comigo lá na firma». Que é inteligentíssima, que nos conhecemos há mês e pouco e somos amigos de há muito. E, tão amigos que somos, desatámos a rir da aparente contradição.

-----Ele telefonou-me há pouco. Diz que na sua boca de menina se espreguiçam todas as carícias da vida. Mas depois, confessa, entregou-se à tarefa de não saber mais. Desenrolou da respiração as emoções da noite e retirou-se do abraço, sentou-se na cama, ainda encheu os entrededos com o cabelo da amante adormecida. E partiu.

-----Mas depois, disse-me ela há dias... Depois, ele afastou-lhe o cabelo, expôs-lhe a nudez mais escondida. E depois... depois sulcou-lhe com o indicador um rio indeciso ao longo do pescoço, tacteou com os lábios a pele assim exposta. A luz tímida que se esgueirava pelo quarto ter-lhe-á permitido saber demais.

-----Desde então, nem tonelada a exercitar-lhe as pálpebras nem aridez a sobrevoar-lhe a saliva, ele acorda e admira-se ao espelho.
-----Confessou-me também:


-----Vai tirar o dia. Depois do banho o perfume, depois do perfume o fato de passeio.

     Assobiar-lhe-á canções de espera a margem do Tejo. Vai levar-lhe flores, apesar do receio, um receio tamanho, de que os minutos se tornem anos e os anos despedidas.

-----Quando chegar e ela lhe abrir a porta como se ele fosse da família, um «olá!, tudo bem?» sem justificações, um beijo dado e correspondido; meu deus!, a felicidade...

-----O resto será só deles. E não seria de mais ninguém, não to contasse eu, o pequeno, pálido rectângulo de polímero azul onde, sob a sua nuca, um dia escrevi: ‘MADE IN PORTUGAL. MANUFACTURED BY ANTÓNIO PEREIRA’.
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________________________________António Pereira, Lisboa e 2103.

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