quinta-feira, 26 de julho de 2007

FUNCIONÁRIOS

Quando, por acaso, nos reencontrámos, já tudo tinha mudado. Até eu, embora ainda ninguém mo tivesse dito. Ela estava bastante mais magra e tinha tirado a vida para fora do pijama. Usava agora um casaco de ganga que acabava um palmo acima do umbigo e, por isso, não sei se era casaco, e umas calças também de ganga, com pouco mais de dois centímetros acima do gancho. As suas cuecas eram azuis ou brancas, dependia do ponto de vista. Tinha também uma franja loura no cabelo solto. Não lhe ficava nem bem nem mal: era um postiço e não disfarçava. Outras coisas que saltavam à vista eram a ausência do sinal no nariz e a quase ausência do buço que teimava antes.

Assim que nos sentámos, disse-me para eu estar descansado, que ela tinha feito o teste e tudo estava bem. Esta declaração, conquanto estranha ou agressiva para começo de conversa, tinha alguma razão de ser: eu fui dois dos seus amantes e entre esses dois amantes ela arriscou tudo. Agora eu já não estava nada preocupado com isso, mas nos meus tempos insistira bastante para que ela fizesse o teste.

Não sei porquê, comecei por associar às maratonas dos liões em cio as mudanças que ela trazia e, sobretudo, a sua decisão em finalmente fazer o teste. Depois, pensei que era o novo cavalheiro que não se ajeitava na difícil arte dos preservativos. Cheguei a imaginar que este era igual ao outro que também foi dois dos seus amantes, esse que me precedera e permeara, e que, não tendo jeito para o ramo, aludia ao tamanho para rebentar todos os preservativos dentro dela.

Acabei por concluir, no entanto, que, desta vez, ela apostava forte. E que, qualquer que fosse a razão, tinha feito bem. Agora só lhe restava rezar para que não houvesse experiências extra-curriculares.

– Manuela – disse-lhe eu depois de pensar tudo isto –, há vários tamanhos de preservativos. Só é preciso saber pô-los. Se quiseres, eu ensino-vos. Além disso, se praticares sexo tântrico com o teu gajo, tens de o obrigar a substituí-los de dez em dez minutos. E, à parte isso, não deves comprar as marcas que se vendem nos supermercados. Se vocês tiverem estes cuidados, não precisas de andar a engolir essa merda de comprimidos todos os dias.

Olhou para mim, muito séria. Ela só tinha feito o teste... Depois fez o seu característico sorriso de meia boca: se tu soubesses...

E mudou o discurso, para eu ficar a saber de todas as coisas desinteressantes que a ocupavam então. Eu, que já não tinha nada a esconder-lhe, ouvi. Ouvi e, depois, confessei-lhe que a minha vida continuava sem agenda. Ela reagiu bem a esta confissão e até lhe achou piada porque eu já não era o futuro pai dos seus filhos.

Foi então que, atrás dela, apareceu o funcionário actual. Era um homenzarrão, coisa para metro e noventa, e beijou-lhe o pescoço enquanto lhe punha o mão em cima da barriga. “Como está o nosso filhote?”, perguntou. Ela sorriu-me, outra vez a meia boca: agora já sabes. Virou-se e beijou-o com a boca toda. Continuava a beijar com o recato de antes, mas a mim pareceu-me que bastante melhor.

No meu cantinho, senti-me roubado. Agora já sabia. Mas não mostrei birra: quando ela nos apresentou, estendi a mão e apertei a dele com força.

Ele estava ali porque eu tinha permitido.

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