domingo, 14 de novembro de 2010

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não lhe mandei espetar as orelhas como costumam fazer aos dobermann e era o bicho mais carente e meigo que já tive em casa
no final da vida     deixava-a à solta na rua:     embora a sua raça pudesse assustar alguns     bastavam dois segundos de atenção para perceber que gastava toda a força na difícil sedução do ar
assim     caminhava sempre um pouco atrás de mim e do barbas     que abrandávamos o passo por entre a urgência dos cheiros

depois da sua partida e por mais de uma semana     o barbas ia ao meu lado e parava de vez em quando     olhando para trás     olhando para mim     a bonita     onde está a bonita?
vinham-me as lágrimas aos olhos e dava por mim a explicar-lhe que já não podíamos esperar pela bonita

com o tempo    a vida foi esquecendo a morte e ele foi deixando de perguntar pela amiga     embora eu tenha a certeza de que ainda a reconheceria     que nos seus bons sonhos decerto a tem reencontrado

quem me dera assim
não arrastar as minhas perdas pelo chão dos séculos
não ser     de tão morto por quem parte     tão morto para quem chega

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