sábado, 29 de junho de 2013

teu

por que hei-de fechar os olhos
ao teu corpo?, esquecer as curvas
que nas curvas pressinto do teu abraço?,
por que hei-de fechar o sonho
à língua que prometes na minha boca?,
por que hei-de ser deus se quero morrer homem?,
por que hei-de ser mais que homem
se quero morrer teu?

quinta-feira, 27 de junho de 2013

.

Estou calmo. Apenas me falta que todo o meu futuro fosse preparar-te o café da manhã, enquanto estendesses o sono de uma noite mal dormida.

terça-feira, 18 de junho de 2013

rol do inesquecimento (2007)

Ontem com dois e três morangulácidos.
Alguns mortos por sob os vaitivéns.
Esguelhas quase para olhares áridos.
E obviamente os canibais também.

Papéis de capa com espadartes pálidos.
Desquandos chatos como artistas sem.
Caligrafias para poetas rápidos.
A cama dosselada e os outros em.

Pestanas longas vacas barrosãs.
Bencatel massamá lisboa oeiras.
E claramente todas as manhãs.

Alfa beta pi ómega agá de homem.
Cozido assado cru de outras maneiras.
Não necessariamente por esta ordem.

constante luto (2005)

Os cães que vivem apesar de tudo,
como aqueles que sobram do que fomos,
contam-me as noites em constante luto,
aos pés da minha cama e do meu sono.

Alheios, quase, a avanços e recuos,
bocejam, de olhos vagos, este outono,
o sol, a chuva, aqueles passos surdos,
desde que tu partiste e somos outros.

E adormeço depois como este outono,
o sol, a chuva, os nossos passos surdos,
os cães que vivem apesar de tudo.

Como aqueles que sobram do que fomos.
Aos pés da minha cama e do meu sono.
Dias sem dias. Em constante luto.

a nossa viagem já não sai do cais (2004)

Qual a lasciva chama que, ofegante,
falece na matéria consumida,
cravei de tuas unhas cada instante,
esmiuçaste, séria, a minha vida.

Cavalgámos o tempo a solta rédea
mas sempre fomos os outrora-amantes;
a nudez da alvorada embala a réstia
de olvido, agora, sob os corpos de antes.

E embora estejam de feição o vento
e de partida quase as caravelas,
há neste oceano largo nós a mais.

Nunca fomos bastantes para o invento,
nunca importantes para a descoberta.
A nossa viagem já não sai do cais.

em busca do soneto (2004)

Abríramos assim o apetite
para estes e mais doze que prosseguem!
Mas eu estou surdo deste que sorriste
e habito a espuma cega de um outro éden.

Soubera as palavras que se perdem
nas curvas do teu colo, minha circe!
Caídas e maduras, apodrecem
destes versos que escrevo e não pediste.

Repousa o nosso amplexo neste coro
mínimo para repetir sem medo
as vogais lentas que pareces rindo.

Onde pusemos nós a chave de ouro?
Ah! eu quisera só mais um soneto
que de aqui me guardasse enquanto minto.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

noventa palavras e um soneto (2004)

No tempo das princesas eras essa
de caracóis compridos e sardinhas
em cujo colo adormecia a pressa
de que todas as horas fossem minhas.

A primavera, então, de quem começa,
floria no teu corpo às adivinhas;
e eu, que nunca gostei de quem mo impeça,
exauria o silêncio que me tinhas.

Mas chegámos enfim a este dia
de passear a avidez do meu esqueleto
com a nossa morte apenas por recinto

- porque ainda espero, à sombra fugidia
de noventa palavras e um soneto
afogados em pena e vinho tinto.

domingo, 16 de junho de 2013

ainda menos do que antes (2003)

Imagino-te à espera do comboio
que há-de levar-te em viagens para longe
do meu, do nosso, dos amigos, de onde
o dia é longo e o amor foi sóbrio.

De meu já nada tenho que te conte
para lá deste incontornável ódio;
mas enquanto não chega esse comboio
que há-de levar-te em viagens para longe
escuta as lágrimas da nossa arte:

espelhado na urina que deixaste
o amor dorme sob soalhos flutuantes;
ícaro antes da cera derretida
de asas se põe e chama-te querida;
e deus existe ainda menos que antes.

sábado, 15 de junho de 2013

vermelho sem remendo (2004)

Pergunto-me que amor esse em setembro
precipitou no mundo aquele em inverno;
que estro rasgado nos teus olhos ternos
de choro fustigou o nosso invento;

que dor atroz, que desconsolo eterno,
que infinita paleta de cinzentos,
que imprevisto febril cristal de tempo
conciliou a espera e o dia incerto...

Quando no teu sorriso brotam marços,
agora que pereço de cansaços,
pergunto-me por ti mas não compreendo.

E o meu olhar sob pálpebras fechadas,
buscando em terra que já foi regada,
inala este vermelho sem remendo.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

estes que não sabem ser felizes (2003)

Mas que me dizes tu deste siroco
noite-e-dias ao largo do imprevisto,
ininterrupto e farto, desatino
de sob a nossa pele em baile sem rosto?

Mas que me dizes tu de sermos outro
agora que o deserto em nosso rito
aconchega o cadáver do perigo
e perfuma de seco o nosso gosto?

Sombra da tarde, que me dizes tu
se inverna e chove nos meus olhos claros
de negras nuvens e silêncio cru?

Ah! que me dizes tu do que lhes dizes,
às idas pétalas dos meus cansaços,
sobre estes que não sabem ser felizes?

quinta-feira, 13 de junho de 2013

inventário do fim (2003)

Os que pairam à volta do meu corpo
moribundo; os que esperam pacientes
pela hora do fracasso; este amor torto
que guardo mesmo quando tu nos mentes;
as conchas que procuro; o ar que mordo
febrilmente; o teu riso de contente
que estrelas espalha pelo mundo todo;
o fim certo sem espaço em que me invente;

o luís frio, a chuva repetida
em noites que maturam sem destino;
a casa abandonada; em tua lista
o el-tê-éme em vez do amorigo;
a inquietude; a dor; e era uma vez
na paz do meu abraço o adeus dos três.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

como quem desiste (2003)

Podes trocar a boca pelos lábios
em esperas e procuras desusadas;
correr-me o corpo como o sol em maio
sobre a terra fecunda e as nossas casas;

mordiscar-me na pele os pontos sábios
construídos na paz de outras moradas;
e esgotar na espiral desse trabalho
o princípio de tudo o que se acaba;

para depois, já como quem desiste,
rasgar-me a carne, lacerar-me em tiras,
espalhar-me de sangue pelas ruas
com o sorriso final dos sempre tristes;

e, preparada já para a partida,
perder a nossa cama noutras luas.

terça-feira, 11 de junho de 2013

em qual das lágrimas eu nos morri (2003)

Tomemos, por hipótese, uma cena
de embriaguez final: eis-te na tasca
a beber por canecas de cerveja
tremores, corpos e memórias falsas.

Recordarás aquela amante plena
de silêncios e fácil de palavras
que por baixo da pele buscava estrelas
para as vestir com a pele da madrugada.

Recordarás, meu basto mentecapto,
o que é teu como o que te aconteceu
e este que sou como se fosses eu.

Recordarás a morte por arrasto,
talvez o fluxo dos instantes e
em qual das lágrimas eu nos morri.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

sorte a minha

Sorte a minha, que te guardo
nas viravoltas da vida,
ignorando os seus abismos:
dou por mim menos amargo,
creio em asas que são minhas
quando lembro o teu sorriso.

parada (2002)

Isto é assim: Eu gosto de caber
a tua boca dentro do meu beijo
e aprender sem dor o abc
do teu corpo na língua em que me deito.

Gosto, assim como gosto de caber
arrepios de mama em mão sem freio,
e adoro adentrar-te, bem se vê,
porque gritas "amor!" e eu sou grosseiro.

Comove-me o teu fim que nunca é fim,
saboreio a saliva que primeiro
é vapor de água e só depois inverno.

E nunca és demasiado para mim.
Ainda que na volta do correio
mandes por deus que já não moras perto.

domingo, 9 de junho de 2013

dois, um, dois, nenhum (2001)

Descobrir o teu corpo rebuçado
para o abraçar de beijos e colectas:
os poemas no teu olhar de lado
assim se fazem - que eu não tenho pressas.

Náufrago no triângulo esperado,
desafiar a morte em linha recta,
ir ao fundo do céu, salvar-me a nado,
inalar o universo que se oferta.

Antes e por enquanto e entre tanto
transformar-se na esfera do desejo
o planisfério a dois de sermos um.

Antes e por enquanto. Mas depois:
a cama sempre do regresso ao medo,
os dois por um que já não são nenhum.

sábado, 8 de junho de 2013

o pinguim



Bom dia, Pinguim, deseja-me tantas vezes essa mulher bonita. Bom dia para ela também.

três ou quatro (2001)

Éramos três ou quatro, sempre pardos,
de hábito e espera às voltas na palavra,
três ou quatro com vida para nada
e tempo para tudo, três ou quatro.

Estátuas quase, em três ou quatro traços
perdidos entre a gente que ainda passa,
num caminho usual, em qualquer tasca,
três ou quatro hóspedes embriagados.

Éramos longe como quem não quer,
ao lado sempre, como quem te houvesse,
três ou quatro ais em rasto de mulher...

Mas trouxemos manhãs à noite rota
e deuses nobres porque assim quiseste
e assim sou eu e já não há quem morra.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

o árduo exercício da paixão (2001)

Durante o sol eu era um dos teus cães.
Passeei da tua mão por onde sempre
anuncias o fim da primavera
e segui-te com todo o coração.

Não te deixei à espera, apressei
todo o momento vão; eu só queria
ser de novo na casa aquela fera
que procura consolo até mais não.

À tarde adormeci sob a tua asa
e sonhei-me de língua licenciada
para o árduo exercício da paixão.

E à noite sou este homem que te ladra
verbos de mel, amor em quatro patas,
vamos passear ao sol da tua mão.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

quase

Somei amanhã com ontem,
parti a metade a meio
tantas vezes quantas pude e
distribuí por quem veio:
era uma vez, nem sei como,
quase em ti o mundo inteiro.


não sou de minhas mãos (2001)

Não sou de minhas mãos, eu tenho medo
do corpo esguio em tempos contraídos:
dentro de ti, mulher que embocadesço,
umbilica um soneto de perigos.

A impossível espiral em que persisto
dói de frio à medida de outro enredo,
que tu arquejas como ponte em rio
e eu marulho da espera enquanto aqueço.

Se no gesto és o amor de outra qualquer,
contemplo a claridade da rotina
que sob o sol desceu à tua pele.

Ah! soltaras o freio ao largo potro
que galopa a paciência dos meus dias
e estremecera eu de chaves de ouro!

terça-feira, 4 de junho de 2013

afinal estive bem (2001)

Hoje estavas salgada - e toda a noite
tentei esquecer a sede em nada de água.
E eu, amor, como estava? Tu sorris...
Ai eu bem vi que não dormiste nada.
Passaste toda a noite em alvorada,
aos pinotes na cama de dossel,
como se o sono fosse tarefa árdua
para as princesas quando são de sonho.

E eu, amor, como estava? Antes sorris
como de quem à noite foi mulher
para quem a aborrece de aprendiz,
e depois com a certeza dos que a têm
para a certeza de quem tanto a quer.

Afinal... Afinal estive bem!

segunda-feira, 3 de junho de 2013

o dia seguinte (2001)

Irás à fac de bê-tê-tê, irás de
galope largo em rouxinóis da noite,
sorriso posto em mãos, fruto que à tarde
inflama o verbo e amanhece de hoje.
Não pode haver no mundo quem te arraste
para lá de mim, quem fácil nos desdoire;
não há vento sem norte que remate
na tortura do tempo a paz do açoite.

Embebes de perfume o alcatrão
que foge sob as rodas do meu mundo
e o vento rima cão com coração
quando descobre que estivemos juntos,
até porque tu gostas de ão ão ão
e eu sou  no teu selim os vagabundos.

volte-face (2001)

Eu penso às vezes que a palavra certa
em momento adequado e tom preciso
se há-de esgueirar por uma porta aberta
na parede de trás do teu juízo.

Serás espontânea, hás-de mandar à merda
a mãe, o pai, o mano... enfim: tudo isso;
e abrirás o caminho em linha recta
que leva às curvas de outros paraísos.

Eu amante recente, como sempre;
tu amiga de sempre em pele recente,
mulher no vespertino mel da fuga.

Deste modo é que não serei eu quem:
não há silêncio que te alcance nem
declamação feliz que te abra a blusa.

domingo, 2 de junho de 2013

desencontro (1992)

Não será fácil esta lua gorda,
não; nem a minha mão na tua perna,
nem - só porque hoje te prometes toda
para delírios de atenção eterna.

Pareces tanto o mundo que se foda,
pareces; mais o fim de tanta merda,
mais: alucinação nesta atafona
que degela em momentos toda a espera.

De laboriosa mente te insinuas
em todos os recantos dos meus temas,
como palavra oferta a extinto poema.

Mas eu sigo a tristeza de outras ruas
e parto como vens, em vim de tarde,
sem pedaço do nosso na saudade.

sábado, 1 de junho de 2013

Na planície corrida do meu tecto (2001)

És dessas que penujam por acaso.
Alpinara-te há tanto!, mas confesso
que, nu em força e mãos, estou cansado
na planície corrida do meu tecto.
Por isso me és como quem cresce perto:
amiga por fazer, vizinha ao lado
dos vizinhos que sei, espreito do metro
e setenta em que vivo e não há caso.

Fumeguitorces como roupa seca
ao sol do kalahari, e eu, paciente,
sou nessa espera este que nunca chega
a outro de mim numa outra desentrega
a outra de ti enquanto a noite mente
e os astros rodam lentos como as lesmas.