domingo, 28 de abril de 2013

3. Morena - Guerra Junqueiro

 
Não negues, confessa
Que tens certa pena
Que as mais raparigas
Te chamem morena.

Pois eu não gostava,
Parece-me a mim,
De ver o teu rosto
Da cor do jasmim.

Eu não... mas enfim
É fraca a razão,
Pois pouco te importa
Que eu goste ou que não.

Mas olha as violetas
Que, sendo umas pretas,
O cheiro que têm!
Vê lá que seria,
Se Deus as fizesse
Morenas também!

Tu és a mais rara
De todas as rosas;
E as coisas mais raras
São mais preciosas.

Há rosas dobradas
E há-as singelas;
Mas são todas elas
Azuis, amarelas,
De cor de açucenas,
De muita outra cor;
Mas rosas morenas,
Só tu, linda flor.

E olha que foram
Morenas e bem
As moças mais lindas
De Jerusalém.
E a Virgem Maria
Não sei... mas seria
Morena também.

Moreno era Cristo.
Vê lá depois disto
Se ainda tens pena
Que as mais raparigas
Te chamem morena!
 

Guerra Junqueiro (1850-1923) escreveu estes versos antes de os aristocratas começarem a ir a banhos em Cascais e esconderem o sangue azul sob as carícias do sol - o que passou a ser indício, claro, de sangue azul... Mas no tempo dele, moreno era trabalho de sol a sol, pobreza, analfabetismo, parentesco árabe; por isso, na minha leitura, estes versos singelos são também uma homenagem ao povo, incluída pelo poeta no seu Musa em Férias. Li-os no início da minha adolescência, e embora o poeta de Freixo de Espada à Cinta não esteja entre os meus preferidos, gostei: na altura já havia morenas que, sem qualquer pena, me distraíam o olhar.


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