Henoch ao seu amor perdido". Modifiquei-a (encurtei-a) em 2006. É o meu texto em prosa mais antigo; pelo
menos dos que foram perdoados pelo pequeno incêndio que destruiu grande parte do que escrevi na minha
juventude.
Desde muito novo me fizeram saber do que se passara e minha mãe me ensinou a compreender: um homem e a sua morte eram a maior parte da tristeza de meu pai. E se ele tinha riso e sorriso para desgraças e percalços também algumas vezes o encontrei com as mãos lavadas em lágrimas.
– Um homem não deve fazer nada que não se possa perdoar mais tarde – aconselhavam-me muitas vezes. Mas sentiam melhor que ninguém que o futuro dorme sobre actos e intenções.
Entretanto, o pai ia torcendo a realidade, reinventando-a, substituindo-a, esquecendo-a. Mas ela deitava-se e acordava com ele.
– A realidade não foge, estúpido – espicaçava-se.
– Foi o diabo do mau tempo – tentava justificar-se.
A verdade é que, em certo dia da sua juventude, se pusera a descansar e entendera que do seu trabalho não vinha fortuna. Ali estava, no cimo do monte verdejante, o seu irmão, com todo o futuro que os gordos animais, sem canseira alguma, lhe ofereciam. E foi assim que a guerra estalou. A doce rotina que fazia parte do seu adormecimento começou a iluminar-lhe as insónias. E perdeu o interesse pelos outros.
Não foi só o mau tempo. Quando as enxurradas levaram os animais não correu em auxílio do seu irmão. E, de longe, viu-o sufocar.
Quando lhe perguntaram por ele, convenceu-se e a todos de que não sabia nada. Quando lhe voltaram a perguntar por ele, já irritado, respondeu:
– Eu sou, por acaso, guarda do meu irmão?
O corpo apareceu alguns dias depois. E tudo o que ele disse foi que ali estava o seu irmão, que ele deixara morrer. Teve pena e soube com dor que o passado não se procura com as mãos, não se agarra, não se molda, não se muda.
O resto foi e é choro, peso, memória e tempo.
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